07 setembro 2004

O Vinho do Silêncio



Há quem diga que poetas só devem ser traduzido: por poetas. E a quem diga que a poesia é intraduzível. Efetivamente, há uma parte da poesia que é, em geral, intraduzível: a sua música, a melodia que se desprende de suas palavras, melodia que varia de língua para língua, quando a sonoridade de uma palavra não encontra na língua para que é traduzida a mesma música. Mas a outra parte, a que é alma é essência da poesia, o seu pensamento, a sua realidade interior, essa pode ser transposta. E é aqui que vale a exigência de ser o tradutor de um poeta igualmente poeta, contanto que o poeta tradutor se submeta a regra máxima da tradução: o espirito de humildade, isto é, o respeito ao pensamento alheio, a reprodução fiel e autêntica da mensagem que deve transmitir.

No caso desta tradução dos poemas de Thomas Merton, o monge-poeta que a morte recentemente arrebatou, duma maneira inesperada e trágica, temos um poeta, Carmen de Mello, traduzindo outro poeta. Para essa tarefa, difícil, responsável, a escritora mineira não se afoitou, frivolamente. Leu, atentamente a obra de Thomas Merton, quer em prosa, quer em poesia. Saturou-se de sua mensagem, embebeu-se de seus eflúvios, adentrou-se pelas intimidades de seu pensamento e de seu sentimento, pensou e tem as suas ideias e as suas imagens, buscou desvendar os mistérios de seu subconsciente. E só então, após tão longas vigílias, atreveu-se a transpor para a nossa língua a poesia densa, profunda, toda pervadida de sobrenatural, do poeta trapista. Tradutor de milhentas páginas de prosadores e de poetas, posso bem imaginar o árduo labor de Carmen de Melo no afã de carrear para nossa língua, não a música, mas a essência do pensamento e da emoção do poeta-monge. Parece-me que o conseguiu, graças à humildade com que levou a cabo a sua tarefa. Fiel se manteve a mensagem íntima do poeta, ao seu ritmo, às imagens e às suas metáforas. Deu-lhe em nossa língua aquela autêntica similitude que não deixou que o perfume poético se evaporasse, fazendo o leitor sentir o suave odor sobrenatural que impregna a poesia do monge. A paga de seus trabalho teve-a ela já, porém. Na carta que lhe escreveu, o próprio Thomas Merton deu-lhe o nihil obstat, reconhecendo que Carmen de Mello não foi o tradittore da ironia italiana, mas o mensageiro que transmitiu em fidelidade sua mensagem de beleza e poesia.

(orelha do livro, Oscar Mendes)

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