10 dezembro 2008

Silêncio e a arte do poeta

Artigo de Frederick Smock* para o The Courier-Journal, de Louisville, Kentucky

Por ocasião do 40º aniversário da morte de Thomas Merton, quero pensar sobre o silêncio. Sem dúvida, Merton fez voto de silêncio, e foi ocasionalmente silenciado pelo Vaticano. Mas não estou pensando nessas formas de silêncio. Quero, antes, pensar sobre o silêncio e a arte do poeta.

Boa parte da vida do monge é passada em silêncio. Boa parte da vida do poeta também transcorre em silêncio – o poeta só passa uma fração de sua vida escrevendo poemas. Merton era tanto monge como poeta, e, assim, conhecia bem o silêncio. A exemplo da meditação e da oração, a poesia é rodeada de silêncio. A poesia começa e termina em silêncio. O silêncio também é inerente ao poema, como os silêncios entre as notas na música. Como disse um grande poeta chinês, Yang Wan-li, mil anos atrás, “O poema é feito de palavras, sim, mas, tirando as palavras, o poema permanecerá”.

Contudo, quando pensamos em silêncio, não necessariamente pensamos em Merton. Ele foi um homem loquaz e um escritor prolífico. Continua a publicar postumamente. Sempre parece estar falando conosco. As prateleiras rangem sob o peso de sua obra que se acumula. No final da vida, contudo, Merton lamentou o fato de ter escrito tantos editoriais, e não mais poemas e orações – formas que participam do silêncio. “Vejo cada vez mais a necessidade de abandonar minha própria ‘carreira’ absurda de jornalista religioso”, escreveu em seu diário (2 de dezembro de 1959). “Parar de escrever para publicação – exceto poemas e meditações criativas.”

“O que realmente quero fazer?”, perguntou-se Merton em seu diário (21 de junho de 1959). “Longas horas de tranqüilidade no bosque, lendo um pouco, meditando muito, subindo e descendo descalço pelo chão coberto de agulhas de pinheiro.” O que alguém confia a seu diário é, ao mesmo tempo, a versão mais reservada e mais autêntica de si mesmo. Os livros escritos para consumo público não são enganosos, apenas não vêm do mais profundo sentimento. Na festa de Santo Tomás de Aquino, (7 de março de 1961), Merton escreveu em seu diário: “determinado a escrever menos, a desaparecer gradualmente.” Acrescentou, no final dessa anotação, que “a última coisa que desistirei de escrever serão este diário, cadernos e poemas. Mais nenhum livro piedoso.”

A vida é uma jornada em direção ao silêncio, e não só o silêncio da morte. Os jovens falam muito – são barulhentos. Os idosos são reticentes. Afinal, há tanto a ponderar. Os mais velhos tendem a segurar a língua. Conhecem a sabedoria que há em conter-se. O fato de ter visto muitas coisas leva a reservar o julgamento. Nesta era moderna, quando o noticiário e a política são dominados por rostos que falam sem parar, o silêncio se torna um bem precioso. A mera ausência de fala já soa como silêncio. Mas o verdadeiro silêncio é uma presença, não uma ausência. Uma plenitude. Uma riqueza cujo valor depende da pureza da intenção, não apenas da falta de distrações.

Em anotação posterior em seu diário (4 de dezembro de 1968), Merton escreveu sobre a visita às grandiosas estupas de Buda e Ananda em Gil Vihara, Sri Lanka. “O silêncio dos rostos extraordinários. Os estupendos sorrisos. Imensos, e, no entanto, sutis. Cheios de toda possibilidade, questionando nada, sabendo tudo, rejeitando nada…” Ao falar da figura de Ananda, Merton conclui: “Diz tudo. Não precisa de nada. Como não precisa de nada, pode ser silenciosa, despercebida, não descoberta.” Ele também fotografou essas estátuas, focalizando-se em sua serenidade beatífica.

Quando estamos silenciosos, podemos ouvir o vento nas árvores e a água no arroio; isso não é mais eloqüente do que qualquer coisa que possamos ter a dizer? A respeito da vida no eremitério recém construído, Merton escreve em seu diário (24 de fevereiro de 1965): “Não posso imaginar outra alegria na terra além de ter um lugar assim e ali estar em paz, viver em silêncio, pensar e escrever, ouvir o vento e todas as vozes do bosque, viver à sombra da grande cruz de cedro, preparar-me para a morte...”

É irônico um escritor enaltecer o silêncio? Não mais, talvez , do que elogiar a ignorância, que é o que Wendell Berry faz em seu poema “Manifesto: A Frente de Libertação do Agricultor Louco.” Berry escreve: “Viva a ignorância, pois o que o homem não encontrou, também não destruiu.” Então, talvez devamos enaltecer o silêncio, pois o que o homem não disse, não mentiu.

O louvor ao silêncio perpassa as meditações de Merton. Só um exemplo: A respeito de seu ensino aos noviços em Gethsemani, escreveu (04 de julho de 1952) que “entre o silêncio de Deus e o silêncio de minha alma ergue-se o silêncio das almas a mim confiadas.”

Sem dúvida, desde sua morte, Merton tem estado em silêncio – se não silenciado. Também há o suave sussurro, no limiar ao audível, de poemas e orações que ele não viveu para escrever.

*Frederick Smock é diretor do Departamento de Inglês da Universidade Bellarmine. Seu livro mais recente é Pax Intrantibus: A meditation on the Poetry of Thomas Merton (Broadstone Books).

6 comentários:

Anônimo disse...

bacana colocar alguém refletindo sobre thomas merton. talvez vcs pudessem ter esta iniciativa mais vezes.
um abraço e feliz ano novo!

Anônimo disse...

Em noite de tantos excessos,ruidos e de tanta solidão desesperadora, muito salutar pensar sobre o silêncio pleno. Aquele do estar a sós com o grande Outro presente em tudo... Escolhi ficar em silêncio neste início de 2009. Que venha a paz!

Carlos disse...

Concordo com a Raquel. Também gostaria de saber o que pensam os amigos do Merton sobre temas atuais, sobretudo os relacionados ao Cristianismo. Carlos

Marcus Henrick disse...

Estou conhecendo agora os pensamentos de Thomas Merton, Nossa estou sem palavras ..
Desejo um ano de PAZ ..
Voltarei sempre aqui !!

Anônimo disse...

Locimar Massalai = sugiro-lhe um caminho "quase novo" para se chegar
ao "grande Outro" : quando puderes, leia "Eu e Tu", de Martin Buber, caso não o tenha feito ainda.
avelar

Rogério Godoy disse...

Caro Waldecy, muito bonito o texto. Uma analogia que encontrei, porque sou ceramista, está num texto do Mauro Santayanna em que ele cita um mestre oleiro do Vale do Jequitinhonha,o Medinho-barrista, que dizia o seguinte:
"Você sabe que, na verdade, o que o oleiro faz é cobrir o vento, o nada, porque uma peça de barro é isso: uma separação no vazio. Eu quando estou trabalhando, não penso no vaso, na vasilha: penso no espaço que eu estou tapando. Não foi o que Deus fez? O que ele fez foi isso, mudar a forma do vazio. Ou não foi mesmo? Aí eu não penso no barro, mas como vai ficar o canto do lugar que eu vou cobrir."

Pois é,será que para o ceramista, o escultor, o vazio equivale ao silêncio? De qualquer forma, um vaso bonito, que trás o feitio do artesão, feito com alma no torno é como uma poesia. E, por isto, vem também envolto em silêncio e envolve o vazio. Um abraço.