27 novembro 2006

A disciplina que conduz ao amor

“ Basicamente, a disciplina que se trata aqui, outra coisa não é senão a crucificação que elimina um tipo de experiência superficial e egoísta, abrindo-nos à liberdade de uma vida que não é dominada por egoísmo, vaidade, obstinação, paixão, agressividade, inveja e avareza. Enfim, disciplina significa uma espécie de solidão, não no sentido de um retraimento egoísta, e sim no de um vazio que não mais acalenta a sensação de conforto oferecida pelos diversos ‘ídolos’ sociais e que não é uma escrava que depende da aprovação de outros. Numa solidão assim, aprende-se a não procurar o amor, mas a dá-lo. A maior necessidade que se tem não é mais a de ser amado, compreendido, aceito, perdoado, e sim a de compreender, amar, perdoar e aceitar os outros como eles são, para ajudá-los a se transcenderem no amor.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.131-132
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 119

Reflexão da semana de 27-11-2006

O pensamento da semana: “Nossa disciplina deve levar-nos a descobrir não até que ponto temos razão, mas o quanto estamos errados.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

20 novembro 2006

Disciplina e consciência crítica

“ O propósito da disciplina é, no entanto, dar-nos uma consciência crítica em relação às limitações da própria linguagem da vida espiritual e das idéias sobre essa vida. Em nível elementar, a disciplina nos torna críticos quanto aos falsos valores da vida social (por exemplo, faz-nos perceber experimentalmente que a felicidade não está nos costumeiros rituais de consumo de uma sociedade afluente). Em um nível mais elevado, revela-nos as limitações das idéias espirituais formalistas e toscas. A disciplina desenvolve nossa visão crítica e nos mostra como é inadequado o que antes aceitávamos como válido em nossa vida religiosa e espiritual. Permite que abandonemos e descartemos, por serem irrelevantes, certos tipos de experiência que, no passado, tinham grande significado para nós. Faz-nos ver aquilo que antes servia de verdadeira ‘inspiração’ agora como rotina gasta, que devemos ultrapassar em busca de outra coisa. A disciplina nos dá coragem para enfrentar o risco e a angústia da ruptura com nosso nível anterior de experiência. Ela nos permite, na linguagem de São João da Cruz, enfrentar a Noite Escura com plena consciência da necessidade de sermos despojados do que antes nos gratificava e ajudava.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.128-129

No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 116
Reflexão da semana de 20-11-2006


O pensamento da semana: “A necessidade de disciplina é a mesma necessidade de vigilância, de prontidão e de disponibilidade desta parábola do Evangelho de São Mateus (25,6): ‘Aqueles que se mantêm na espera do Senhor precisam estar com suas lâmpadas acesas e bem preparadas.’ (...) [Disciplina monástica] implica cultivar certas condições interiores de consciência, de abertura, de prontidão para o novo e o inesperado.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

13 novembro 2006

A função da disciplina

“ O treinamento e a disciplina das nossas faculdades e do nosso ser destina-se a aprofundar e ampliar nossa capacidade de experiência, de consciência, de compreensão, de uma vida mais elevada, de uma vida ‘em Cristo” e ‘no Espírito’ mais profunda e autêntica. A disciplina não visa apenas à perfeição moral (desenvolvimento da virtude como um fim em si), mas também à auto-transcendência, à transformação em Cristo ‘de glória em glória, segundo a ação do Espírito do Senhor’ (São Paulo). A morte e crucifixão do antigo eu, do homem rotineiro que leva uma vida social egoísta e convencional, leva à Ressurreição em Cristo de um ‘homem totalmente novo’ que é ‘um só espírito’ com Cristo. Esse homem novo não é apenas o homem velho possuidor de um certificado legal que lhe dá direito a um prêmio. Ele não é mais o mesmo, e sua recompensa é precisamente essa transformação que faz dele não mais o sujeito isolado de um prêmio limitado, e sim, ‘um com Cristo’ e, em Cristo, com todos os homens e mulheres. Portanto, o propósito da disciplina não é só nos ajudar a “ligar” e entender as dimensões interiores da existência, e sim transformar-nos em Cristo de tal modo que transcendamos inteiramente existência rotineira. (Ao transcendê-la, contudo, redescobrimos seu valor existencial e sua solidez. Transformação não é repúdio da vida comum, mas sua redescoberta definitiva em Cristo).”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.117
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 105
Reflexão da semana de 13-11-2006

O pensamento do dia: “A verdadeira função da disciplina não é prover-nos de mapas, mas dar maior acuidade ao nosso sentido de direção. Isso para que, ao nos empenhar realmente na caminhada, possamos viajar sem mapas.”
Contemplação num Mundo de Ação, Thomas Merton

06 novembro 2006

Zelo religioso e fanatismo político

“ A meditação não nos oferece necessariamente uma visão privilegiada do significado de eventos históricos isolados. Estes podem continuar a ser um mistério angustiante para os cristãos tanto quanto para qualquer um. Para nós, contudo, o mistério contém, em sua própria escuridão e seus próprios silêncios, uma presença e um significado que captamos sem os entendermos por completo. E, através deste contato espiritual, deste ato de fé, situamo-nos adequadamente em relação aos fatos que nos rodeiam, mesmo sem ver com clareza aonde vão.

Uma coisa é certa: a humildade da fé, se acompanhada das conseqüências pertinentes — a aceitação do trabalho e do sacrifício requeridos por esta tarefa providencial — serão muito mais eficazes em nos lançar no pleno curso da realidade histórica do que as pomposas racionalizações dos políticos que se consideram, de alguma forma, como condutores e manipuladores da história. Os políticos podem, sim, fazer história, mas o significado do que estão fazendo é, inexoravelmente, algo como um idioma que jamais entenderão e que contraria seus próprios programas e transforma todas as suas realizações em uma paródia absurda de suas promessas e ideais.

Sem dúvida, é verdade que a religião num nível superficial, a religião que é infiel a si mesma e a Deus, pode facilmente tornar-se o ‘ópio do povo’. Isto acontece sempre que a religião e a oração invocam o nome de Deus por motivos e com propósitos que nada têm a ver com Ele. Quando a religião se constitui numa mera fachada artificial para justificar um sistema social ou econômico — quando a religião empresta seus ritos e sua linguagem para os propagandistas políticos e quando a oração vem a ser um veículo para um programa ideológico puramente secular, então, sim, a religião se torna um opiáceo. Amortece o espírito a ponto de permitir que a ficção e a mitologia substituam a verdade da vida. E isso acarreta a alienação do fiel, de forma que seu zelo religioso torna-se fanatismo político. Sua fé em Deus, ao preservar fórmulas tradicionais torna-se, de fato, fé na sua própria nação, classe ou raça. Sua ética deixa de ser a lei de Deus e do amor e se transforma na ‘lei do mais forte’: o privilégio estabelecido justifica tudo. Deus está no status quo.”

Contemplative Prayer, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1996, p. 112-113
Reflexão da semana de 06-11-2006

O pensamento do dia: “A oração não nos cega ao mundo, mas transforma nossa visão do mundo e nos faz vê-lo, assim como ver todos os homens e toda história da humanidade, à luz de Deus. Orar em ‘espírito e verdade’ nos permite entrar em contato com aquele amor infinito, aquela liberdade impenetrável que está por trás das complexidades e dificuldades da existência humana.”
Contemplative Prayer, Thomas Merton