29 outubro 2018

A sempre repetida mesmidade

“Aqui devemos fazer uma pequena pausa para considerar a diferença entre uma visão secular e uma visão sagrada da vida.  A expressão ‘o mundo’ é talvez muito vaga. Não se refere simplesmente a ‘tudo que está em torno de nós’ ou ao universo criado. O universo não é mau, é bom. O ‘mundo’, no mau sentido, certamente não é o cosmos, embora escritos de alguns autores cristãos neoplatônicos surgiram este significado para expressão. Para eles saeculorum é o que é temporal, o que muda, da volta e retorna ao ponto de partida. Isso se deve a influências gnósticas e platônicas que se infiltraram no cristianismo, persuadindo os homens de que o universo é regido por anjos mais ou menos caídos (‘as potências dos ares’). Nosso adjetivo ‘secular’ é proveniente do latim saeculum, que significa tanto ‘mundo’ quanto ‘século’. A etimologia da palavra é incerta. Talvez esteja relacionada ao grego kuklon, ‘roda’, do qual tiramos ‘ciclo’. Portanto, originariamente, o ‘secular’ era o que percorre, interminavelmente ciclos sempre recorrentes. Isto é o que faz ‘a sociedade mundana’ cujos horizontes são de uma sempre repetida mesmidade:
                Uma geração vai, uma geração vem, e a terra sempre permanece. O Sol se levanta, o Sol se deita, apressando-se a voltar ao seu lugar e é lá que ele se levanta. O vento sopra em direção ao sul, gira para o norte, e girando e girando vai o vento em suas voltas (...) o que foi, será, o que se fez, se tornará a fazer: nada há de novo debaixo do Sol! (...) Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. (Ecl 1).”


(Martins Fontes, 2007), pág. 72

16 outubro 2018

Nosso egocentrismo

“A frutificação da nossa vida depende, em grande parte, da habilidade em duvidar das nossas próprias palavras e em desconfiar do valor do nosso trabalho. O homem que confia inteiramente no conceito em que se tem é condenado à esterilidade. Só uma coisa ele exige a uma ação, que seja feita por ele. Se é ele quem a pratica, deve ser boa. Suas palavras devem ser infalíveis. O carro que acabou de comprar é o melhor desse preço. E isso exclusivamente porque foi ele quem o comprou. Não querendo outros frutos, ele não obtém geralmente senão estes.”

(Agir, 1976) pág. 116

08 outubro 2018

Nossas contradições

A rejeição de Cristo. Os seus não o receberam.

A coisa mais terrível a respeito da rejeição de Jesus foi ter sido rejeitado pelos santos, e rejeitado porque era Deus!

Os Fariseus rejeitaram Deus porque Ele não era Fariseu.

Os Fariseus nada quiseram ter com Deus porque Deus mostrou que não era feito à própria imagem deles! ‘Eu vim em nome do meu Pai e vós não me recebeis; se vier outro em seu próprio nome, haveis de recebe-lo’. (Jo 5,43).

O que está implícito na expressão ‘em nome de meu Pai’? Jesus quando veio a nós nada tinha de Seu. Não apenas não tinha lugar onde descansar a cabeça, não somente estava pobre na terra, mas explica que o fato de Sua origem divina significa que Ele nada tem de Seu. E todavia, Ele é tudo. (...) A prova de nossa amizade e admiração por Deus está na maneira como recebemos Aquele que não pode vir a nós em Seu próprio nome.

Aqueles que vivem por si, que vivem ‘por seu próprio nome’, não podem acreditar em tal Deus porque Ele contraria tudo aquilo em que acreditam e por que vivem. Não se dirigirão e Ele para receberem vida porque Ele não recebe glória dos homens. Claritatem ab hominibus non accipio*.


(Mérito, 1954) pág. 248

*Não recebo a glória que vem dos homens (Jo 5, 41)

02 outubro 2018

O silêncio é a força da nossa vida interior

“Recebemos no coração o silêncio de Cristo, quando pela primeira vez falamos de coração a palavra da fé. Conseguimos a salvação no silêncio e na esperança. O silêncio é a força da nossa vida interior. Ele entra no próprio coração do nosso ser moral, e de tal forma que, se não temos silêncio, não temos moralidade. O silêncio entra misteriosamente na composição de todas as virtudes e preserva-as da corrupção.”

(Agir, 1976) pág. 212