08 abril 2019

A voz que clama no deserto

(...) É minha intenção fazer da minha vida inteira uma rejeição, um protesto contra os crimes e as injustiças da guerra e da tirania política, que ameaçam destruir todo o gênero humano e o mundo inteiro. Através da minha vida monástica e dos meus votos, digo NÃO a todos os campos de concentração, aos bombardeamentos aéreos, aos julgamentos políticos, que são uma pantomina, aos assassinatos judiciais, às injustiças raciais, às tiranias econômicas, e a todo o aparato sócio econômico, que não parece encaminhar-se senão para a destruição global, apesar do seu bonito palavreado a favor da paz."

MERTON, T. La voz secreta
Refflexiones sobre mi obra en Oriente y Occidente
Santander: Sal Terrae, 2015. p. 96-97

02 abril 2019

O chamado de Deus

O próprio Deus busca a si mesmo em nós, e a aridez e pesar de nosso coração é o pesar de Deus que não é conhecido por nós, que ainda não pode encontrar-se em nós porque não ousamos crer ou confiar na incrível verdade que Ele possa viver em nós, e viver em nós por escolha, por preferência [...]. É o amor de meu amante, meu filho ou meu irmão que me permite mostrar Deus nele ou nela. O amor é epifania de Deus em nossa pobreza.

Thomas Merton: a clausura no centro do mundo
BINGEMER, M. C. (org)
Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2018, p. 59

26 março 2019

O santo temor

E é só na presença de Deus que nos revelamos em toda a verdade. Porque é então que, vendo a Deus em sua luz, vinda na obscuridade da fé, também vemos, à mesma claridade, como somos diferentes do que pensamos ser em nossa ambição e vaidade.
Aqui o recolhimento colore-se de compunção e daquilo que os Padres chama de ‘santo temor’. Temor é o conhecimento de nós mesmos em presença da santidade de Deus. É o conhecimento que temos de nós diante do seu amor, ao ver como estamos longe do que esse amor queria.


Homem algum é uma ilha
(Verus, 2003) pág. 191

19 março 2019

Uma coisa entre as demais

"É um truísmo dizer que o "deus" supostamente destruído no raciocínio ateu não é um deus. Este deus de palha é, de fato, um objeto contingente, limitado, falível, e sem poder, uma coisa entre as demais; no melhor dos casos, uma imitação. Tal "deus" não tem nenhum direito de existir, mas o ateu não tem razão de orgulhar-se de verificar isso. Se, contudo, persistir em pensar que realmente fez uma descoberta ao provar a não existência dessa miragem, provavelmente é porque tantas pessoas religiosas - e muitos livros religiosos - dão a impressão de que tal ser vago e limitado é de fato o deus da fé religiosa. Infelizmente, para muitos "crentes", o Deus em que creem não é o Deus vivo, mas uma hipótese apologética".

A Igreja e o mundo sem Deus
(Vozes, 2018) pág. 48

12 março 2019

A Tradição: mística e monástica

"Estou no mosteiro, e pretendo estar aqui. Nunca tive dúvida quanto à minha vocação monástica. Se tenho tido algum desejo de mudança, tem sido por uma forma mais solitária, mais 'monástica'. Mas precisamente por causa disso pode-se dizer que estou de algum modo em todos os lugares. Meu mosteiro não é um lar. Não é um lugar onde estou enraizado e estabelecido na terra. Não é um ambiente no qual me torno consciente de mim mesmo como um indivíduo, mas um lugar no qual desapareço do mundo como um objeto de interesse, no sentido de estar em qualquer lugar pelo ocultamento e compaixão. Para existir em todos os lugares tenho que ser ninguém (No-one)".

05 março 2019

Na pureza do coração a oração

"Na 'oração do coração', procuramos, em primeiro lugar, a base mais profunda de nossa identidade com Deus. Não raciocinamos em relação aos dogmas da fé, nem sobre os 'mistérios'. Procuramos, antes, conseguir apreender diretamente, de maneira existencial, por uma experiência pessoal, as mais profundas verdades da vida e da fé: encontramos a nós mesmos na verdade de Deus. A noite escura retifica nossas mais íntimas intenções. No silêncio dessa 'noite de fé', voltamos à simplicidade e à sinceridade do coração. Aprendemos como nos concentrar, nos 'recolher'. Isto consiste em escutar, estar atento para ouvir a vontade de Deus na direta e simples atenção à realidade.

Poesia e contemplação
(Agir, 1972) pág. 107

19 fevereiro 2019

Morte

"A morte é o fim da vida".


Essa afirmação parece muito óbvia à primeira vista. Parece dizer tudo o que é essencial sobre a morte. Todavia, declarar meramente que, quando um ser vivo cessa de viver, ele "morre", talvez seja não dizer nada de importante. Ao refletir sobre implicações de "vida" e "morte" e o "fim da vida" tornamos desagradavelmente conscientes de que fazer afirmações puramente casuais sobre essas realidades - uma afirmação que acaba não dizendo "nada de importante" - é um abuso frívolo da fala. Revela uma incapacidade de enfrentar a realidade da vida, da morte e do fim da vida. A morte é tratada com frivolidade porque a própria vida é tratada com frivolidade.

Amor e vida
(Martins Fontes, 2004) pág. 103-104

A base do prisioneiro

No último dia de janeiro de 1915, sob o signo de Aquários, em tempo duma grande guerra, acolá debaixo das sombras de certa montanha francesa rente à fronteira de Espanha, foi que vim ao mundo. Conquanto livre por natureza e segundo a imagem de Deus, contudo me tornei prisioneiro da minha própria violência e do meu próprio egoísmo, segundo a imagem do mundo em que nasci. Tal mundo era bem a imagem do Inferno, cheio de homens como eu, amando Deus e no entretanto detestando-O, tendo nascido para amá-Lo, mas ao invés disso vivendo no medo e no torvelinho de anseios contraditórios.

(Petra, 2018) pág. 13

12 fevereiro 2019

Medo da solidão

Se temos medo de ficar sozinhos, medo do silêncio, talvez seja em virtude de nossa secreta desesperança de reconciliação íntima. Se não temos a esperança de ficar em paz conosco em nossa própria solidão e em nosso silêncio pessoal, jamais seremos capazes de nos encarar: continuaremos correndo sem parar. E essa fuga do eu é, como indicou o filósofo suíço Max Picard, uma "fuga de Deus". Afinal de contas, é nas profundezas da consciência que Deus fala, e, se recusamos a nos abrir por dentro e a olhar essas profundezas, também recusamos nos confrontar com o Deus invisível presente dentro de nós. Essa recusa é uma admissão parcial de que não queremos que Deus seja Deus, assim como não queremos que nós mesmos sejamos nossos eus verdadeiros.

(Martins Fontes, 2004) pág. 44

29 janeiro 2019

A ação na vida contemplativa


Por pouco que você tenha aprendido sobre Deus na oração, compare os seus atos com esse pouco; oriente-os por esse parâmetro. Tente fazer a sua atividade frutificar no mesmo vazio, no mesmo silêncio e no mesmo desapego que encontrou na contemplação. Em última análise, o segredo de tudo isso é a perfeita entrega à vontade de Deus nas coisas que não podemos controlar, e a perfeita obediência a Ele em tudo que depende da sua própria vontade, de maneira que em tudo - na vida interior e nas atividades exteriores para Deus -, desejemos uma só coisa: a realização de sua vontade.


(Vozes, 2017) pág. 149

22 janeiro 2019

Aprender a estar só

Solidão física, silêncio exterior e verdadeiro recolhimento são moralmente necessários a todos os que desejam levar vida contemplativa; porém, como tudo o mais na criação, são apenas meios para um fim e, se não compreendermos o fim, usaremos erradamente os meios.
Não vamos para o deserto no intuito de fugir das pessoas, e sim para aprender a encontrá-las; não nos separamos delas para não termos mais nada a ver com elas, mas para encontrar o melhor modo de lhes fazer bem. Mas este é apenas um fim secundário. O fim primordial que inclui todos os demais é o amor de Deus.


(Vozes, 2017) pág. 178-179.

17 janeiro 2019

Liberdade na obediência

Você por acaso pensa que o caminho para a santidade consiste em se trancar com suas orações, livros e as meditações que agradam e interessam à sua mente, com vários muros para protegê-lo das pessoas que considera estúpidas? Você acha que o caminho para a contemplação passa por recusar os trabalhos e atividades necessários ao bem dos outros, mas que o entendiam e distraem? Você imagina que vai descobrir Deus se fechando em um casulo de prazeres espirituais e estéticos, ao invés de renunciar a todos os seus gostos, desejos, ambições e satisfações por amor a Cristo? Pois ele nem viverá em você se você não conseguir encontrá-lo nos outros.

(Vozes, 2018) pág. 178