26 maio 2014

Rumo ao Altar de Deus

No dia 26 de maio de 1949, durante a Solenidade da Ascensão do Senhor daquele ano, o jovem Frater Louis (Thomas Merton) era ordenado sacerdote aos 34 anos de idade, na Abadia de Gethsemani. O trecho a seguir foi retirado do início da quarta parte do livro O Signo de Jonas, um importante diário que complementa a atmosfera narrada em A Montanha dos Sete Patamares.

“Minha ordenação sacerdotal foi, sinto, aquele grande segredo para que nasci. Dez anos antes de ser ordenado, quando vivia no mundo e parecia ser um dos homens do mundo menos capazes de ser sacerdote, compreendi subitamente que minha ordenação era, de fato, assunto de vida ou de morte, de céu ou de inferno. Desde o momento em que pude ainda me encontrar com a inescrutável vontade de Deus, minha vocação se tornou clara. Foi uma mercê e um segredo tão exclusivamente meus, que a princípio não pretendia falar dele a ninguém.

Todavia, como ninguém é ordenado sacerdote exclusivamente para si, e desde que meu sacerdócio me faz pertencer não somente a Deus mas a todos os homens, me cabia falar um pouco do que se passava em meu coração aos amigos que compareceram para assistir à minha ordenação. (...).

Antes de tudo, a maior coisa que acontece na ordenação de um sacerdote é a mais simples de todas. É por isso que a Ordem é, ao ser conferida, o mais simples dos sacramentos. O Bispo, sem dizer uma palavra, coloca as mãos sobre a cabeça do ordenado. Depois, pronuncia as palavras da oração e o novo padre recebe a graça e o caráter indelével do sacerdócio. Passa a identificar-se com o Altíssimo Sacerdote, o Verbo Encarnado, Jesus Cristo. Torna-se padre, para sempre.

Deus nunca faz as coisas pela metade. Não nos santifica pedaço por pedaço. Não nos faz sacerdotes ou santos superpondo uma existência extraordinária sobre nossas vidas ordinárias. Toma nossa vida inteira e o nosso ser inteiro e os eleva a um nível supernatural, transformando-os completamente por dentro, mas os deixando, exteriormente, como são: ordinários.

Assim, a graça do meu sacerdócio, a maior de minha vida, foi para mim algo muito maior do que um voo momentâneo acima da planície da vida de todos os dias. Ela transformou permanentemente minha vida ordinária, de todos os dias. Foi uma transfiguração de todas as coisas simples e comuns, uma elevação dos atos mais corriqueiros e naturais ao nível do sublime. Mostrou-me que a caridade de Deus era suficiente para transformar a terra em céu. Pois Deus é Caridade e a Caridade é o Paraíso.

(...)

Os dois aspectos mais característicos da caridade divina no coração de um sacerdote são a gratidão e a misericórdia. Gratidão é a maneira como se exprime Sua caridade pelo Pai; misericórdia é a expressão da caridade de Deus, agindo n'Ele e atingindo por Seu intermédio os seus semelhantes. Gratidão e misericórdia encontram-se e fundem-se perfeitamente na Missa, que nada mais é senão caridade do Pai por nós, a caridade do Filho por nós e pelo Pai, a caridade do Espírito Santo, que é Caridade que nos une ao Pai e ao Filho.

Depois de rezar minha primeira Missa, compreendi perfeitamente e pela primeira vez em minha vida, que no mundo nada mais tem importância exceto amar a Deus e servi-Lo com simplicidade e alegria.

O Signo de Jonas, Thomas Merton (Editora Mérito, São Paulo - Rio de Janeiro), 1954. p. 209 e 210.

19 maio 2014

Exigências do amor

“O santo é tão afinado ao espírito e ao coração de Cristo, que se sente obrigado a corresponder às exigências do amor por um amor que rivaliza com o de Cristo. Isso é para ele uma necessidade tão profunda, tão pessoal e tão exigente que passa a ser o seu destino inteiro. Quanto mais corresponder à secreta ação do amor de Cristo no seu coração, tanto mais virá a conhecer-lhe as inexoráveis exigências.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 80.

12 maio 2014

Minha alegria na Sua glória

“Tudo o que se oferece a Deus com intenção simples, Ele aceita não só por causa da nossa boa vontade, mas porque Lhe é agradável em si mesmo. É uma obra boa e perfeita, inteiramente feita por amor de Deus. Ele tira a própria perfeição não apenas dos nossos pobres esforços, mas da Sua misericórdia, que os enriqueceu. Dando ao Senhor obras de reta intenção, eu posso estar seguro de que Lhe dou o que não é mau. Mas, se Lhe ofereço obras de simples intenção, estou dando o que é melhor. E, além de tudo o que posso dar ou fazer por Ele, eu fico em paz e tenho a minha alegria na Sua glória.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 77.

05 maio 2014

A simples e reta intenção

“Quando Ação e Contemplação habitam juntas, enchendo toda nossa vida por sermos movidos em tudo pelo Espírito de Deus, então somos espiritualmente maduros. As nossas intenções são habitualmente puras. Em algum lugar de sua obra, faz Johannes Tauler* uma distinção entre dois graus de intenção pura: a um deles chama de reta intenção; a outro, de intenção simples. Eles servem para explicar a união entre ação e contemplação em um todo harmonioso.

Quando temos reta intenção, a nossa intenção é pura. Procuramos fazer a vontade de Deus com motivo sobrenatural. Temos em vista agradar a Deus. (…)

Mas, quando é uma intenção simples que temos, somos menos ocupados com a coisa a fazer. Tudo o que então fazemos, fazemos não somente por Deus, mas, por assim dizer, em Deus. Somos mais atentos a Deus que trabalha em nós, do que a nós mesmo ou à nossa obra.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 73. 


* Dominicano alemão do séc. XIV e um dos grandes místicos do cristianismo.