31 dezembro 2007

Um mundo sendo criado e renovado

“ Para o ‘homem novo’ tudo é novo. Mesmo o antigo é transfigurado no Espírito Santo e torna-se sempre novo. Não há nada a apegar-se, nada há a esperar naquilo que já é passado ­– pois não é nada. O homem novo é aquele que pode encontrar realidade naquilo que não pode ser visto pelos olhos da carne – onde ainda nada é – e onde se torna algo no momento em que o vê. E nada poderia ser (ao menos para si) se ele não o tivesse visto. O homem novo vive num mundo que está sempre sendo criado e renovado. Vive numa região de renovação e criação. Ele vive na Vida.”

A Search for Solitude — Journals, Volume 3
, de Thomas Merton
Editado por Lawrence S. Cunningham
(HarperSanFrancisco, San Francisco), 1997, p. 269
Reflexão da semana de 31-12-2007

Um pensamento para reflexão
: “Há em todas as coisas visíveis uma fecundidade invisível, uma luz embaçada, um humilde anonimato, uma inteireza secreta. Esta misteriosa Unidade e Integridade é Sabedoria, a Mãe de tudo, Natura naturans.
“Hagia Sophia” in The Collected Poems of Thomas Merton

24 dezembro 2007

Cristo começa onde eu termino

“ O Advento, para nós, significa aceitação desse início totalmente novo. Significa a disposição de ver a eternidade e o tempo se encontrarem, não só em Cristo, mas em nós, no Homem, em nossa vida, em nosso mundo, em nosso tempo. O início é, portanto, o fim. Temos de aceitar o fim antes de podermos começar. Ou, antes, para sermos mais fiéis à complexidade da vida, temos de aceitar juntos o fim no início.

O segredo do mistério do Advento é, portanto, a conscientização de que eu começo onde termino, porque Cristo começa onde eu termino. Em termos mais comuns, vivo para Cristo quando morro a mim mesmo. Começo a viver para Cristo quando chego ao ‘fim’ ou ao ‘limite’ do que me divide dos homens, meus semelhantes; quando estou disposto a avançar além desse limite, a atravessar a fronteira, a tornar-me um estranho, a penetrar no deserto que não é ‘meu eu’, onde não respiro nem ouço a barulheira habitual e confortadora de minha própria cidade, onde estou só, sem defesas, na solidão de Deus.

A vitória de Cristo não é, de modo algum, a vitória de minha cidade sobre a cidade ‘deles’. A exaltação de Cristo não é a derrota e a morte de outros, de maneira que ‘meu lado’ possa ser vingado, e que eu possa provar estar ‘certo’. Devo passar por cima, fazer a transição (pascha) do meu fim a meu início, da minha antiga vida que terminou e que agora é morte para a minha vida nova, que não existia antes e que, agora, existe em Cristo.”
“Advent: Hope or Delusion?” in Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 96-97
No Brasil: “Advento: Esperança ou Ilusão?” in Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 99-100
Reflexão da semana de 24-12-2007

Um pensamento para reflexão
: “Hoje, a eternidade penetra no tempo, e o tempo santificado é levado à eternidade. Hoje, Cristo, a Palavra Eterna do Pai, que estava no principio com o Pai, em quem foram feitas todas as coisas, no qual todas subsistem, penetra no mundo criado por Ele, para recuperar as almas esquecidas de sua identidade.”
Tempo e Liturgia, Thomas Merton

17 dezembro 2007

Mulher, a glória e a graça do homem

Em seu sucinto folheto De Institutione Virginis (Da Educação de uma Virgem), Ambrósio [Bispo de Milão, m. 397], conjuga misticismo e humanismo de um modo que merece um estudo muito mais detalhado do que podemos tentar aqui. Atinge-se a plena maturidade da vida cristã em uma união virginal com Cristo que, por sua vez, implica a perfeita integração de toda a pessoa humana. A união com Cristo implica Sua entrada em uma personalidade que tem perfeita unidade em seus três elementos tradicionais: corpo, alma e espírito - corpus, anima, spiritus.

Esse tratado de Santo Ambrosio é particularmente interessante por sua aberta defesa das mulheres de maneira geral. Baseando-se na narrativa da criação do Gênese e na doutrina de São Paulo sobre o mistério de Cristo tipificado na união de Adão e Eva, o humanismo místico de Ambrósio declara que o homem sem mulher é física e espiritualmente incompleto, e que a mulher é, em sentido muito profundo, a ‘glória’ do homem, sua complementação espiritual, sua ‘graça’, sem a qual ele não pode possuir ou recuperar plenamente o seu verdadeiro ser em Cristo…

[A] beleza do corpo da mulher é uma grande obra de Deus, destinada a ser sinal da muitíssimo maior beleza interior, da especial claridade e amabilidade de seu espírito. De fato, Santo Ambrósio declara que é bem evidente que as mulheres são mais generosas, mais virtuosas, mais abnegadas do que os homens…

Esta defesa, totalmente reparadora, da mulher nos dá alguma indicação da profundidade e realidade do humanismo patrístico. De fato, como pode haver verdadeiro ‘humanismo’ quando a metade da espécie humana é ignorada ou excluída? O humanismo pagão, reservado exclusivamente ao homem, por trás de um verniz de filosofia, só faz exaltar sua complacência e justificar seu egoísmo. Um humanismo só para homens nada mais é, como vimos, do que uma falsidade bárbara. A luz do verdadeiro humanismo é alimentada pelo Verbo Encarnado.

Mystics and Zen Masters, Thomas Merton
(Dell Publishing Company, New York), 1961, p. 118-119

Reflexão da semana de 17-12-2007

Um pensamento para reflexão: “Não ouvimos a voz doce, a voz suave, a voz feminina, a voz da Mãe: contudo, ela fala por toda parte e em tudo. A sabedoria clama no mercado – ‘se alguém for pequeno, deixe-o vir a mim’.”
Turning Toward the World, Journals Volume 3, Thomas Merton

03 dezembro 2007

Restaurando o direito dos oprimidos

“ Infelizmente, o conceito verdadeiramente cristão de amor às vezes tem sido desacreditado por quem o sentimentaliza ou formaliza de uma forma ou de outra. Uma disposição subjetiva sincera de amar a todos não dispensa ninguém de uma ação social enérgica e sacrificial destinada a restaurar os direitos violados dos oprimidos, gerar trabalho para os desempregados, de modo que o faminto possa comer e que todos tenham uma possibilidade de ganhar um salário decente. Infelizmente, no passado era fácil demais para o homem bem alimentado nutrir os sentimentos mais louváveis de amor ao próximo, ignorando, ao mesmo tempo, o fato de seu irmão estar lutando para resolver problemas trágicos e insolúveis.

Já não é mais adequado apenas dar esmolas, especialmente se for só um gesto que parece dispensar qualquer outra ação social mais eficaz. Isso nem sempre resulta de uma real falta de sinceridade: mas as ‘boas obras’ que atendiam às necessidades de pequenas comunidades medievais não servem mais na fantástica crise mundial que varre toda a humanidade hoje, quando a população mundial se conta em bilhões e duplica em quarenta, vinte e até quinze anos. Neste caso, as dimensões do amor cristão devem se expandir e se universalizar na mesma escala do problema humano a ser enfrentado. O gesto individual, embora louvável, não será mais suficiente.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(Farrar, Straus and Giroux, New York) 1979, p. 30-31
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 146-147
Reflexão da semana de 03-12-2007

Um pensamento para reflexão
: “O problema chave do humanismo é o problema desse amor autêntico que une o ser humano ao ser humano, não apenas em um relacionamento simbiótico e semiconsciente, mas como uma pessoa a outra pessoa, na autêntica liberdade de uma entrega mútua.”
Amor e Vida, Thomas Merton