25 janeiro 2016

Juntas e sozinhas


"O mundo está encolhendo (...). Dizem que se continuarmos crescendo na proporção atual, em seiscentos e cinquenta anos haverá somente trinta centímetros quadrados para cada pessoa (...). mas estará isso certo? Será cada pessoa uma solidão isolada, só sua? Não. Há Uma Solidão na qual todas as pessoas estão ao mesmo tempo juntas e sozinhas. Mas o preço de um conceito matemático, quantitativo do homem é que, ao se reduzir cada indivíduo ao seu número próprio, ele é reduzido a nada (...).

O perigo desse conceito técnico, numérico, maciço, é que, então, ele destrói o amor pondo o indivíduo no lugar da pessoa. E o que é a pessoa? Precisamente, ela é uma na unidade que é amor. Ela é indivisa em si mesma porque está aberta a todas. Ela está aberta a todas porque o amor que é a fonte de todas, a forma de todas e o fim de todas é um nela e em todas. Está verdadeiramente só quem está escancarado para o céu e para a terra e não está fechado para ninguém."


Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 18

19 janeiro 2016

"Uma flecha disparada para o céu"


HOMILIA PARA A MISSA DE CORPO PRESENTE DE PE. FELIX
17 de janeiro de 2016
 
Ontem, logo após a morte de Padre Félix, liguei para o procurador geral de nossa Ordem, Dom Timothy Kelly. Dom Timothy foi abade de Gethsemani durante 25 anos, e por muitos destes anos Padre Félix era seu Prior. Os dois eram grandes amigos. Depois de receber a notícia, ele respondeu de sua maneira lacônica característica: “Imagino que a morte dele será uma grande perda para Novo Mundo.” Todos nós aqui podemos responder de todo o coração: “Sim, e como!” E ainda, “E não só para Novo Mundo.”

São Bernardo, que como todos os demais Padres Cistercienses, gostava de brincar com palavras, disse que a vida de um monge começa sendo gostosa mas sem muita substância, passa a ser dura mas muito substanciosa e termina sendo gostosa e substanciosa ao mesmo tempo. A esta síntese de doçura e substância Bernardo dá o nome de sabedoria.

Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente o jovem Padre Félix, embora em nossas conversas ele falasse bastante sobre sua juventude. Imagino que já naquela época era quieto, irônico e fervoroso, porque continuou sendo assim até os últimos dias de sua vida na terra. Sei que devia ter sido um homem estudioso, porque na verdade padre Félix era o grande teólogo de nossa comunidade. Sua leitura de diversão, sua “leitura leve”, consistia de estudos exegéticos e obras de teologia sistemática. Também é óbvio que durante toda a sua vida tenha sido a de um homem honesto, reto e responsável. Uma iniciação gostosa à vida monástica – certamente não desprovida de toda substância.

Acho que, de alguma maneira, os seus anos de superior em Novo Mundo constituíam a etapa média: um tempo muito substancioso, mas também duro.

Em primeiro lugar, ele veio já com quase 60 anos para uma cultura e uma comunidade totalmente desconhecidas. Por causa da necessidade de tomar as rédeas logo, fez apenas um curso básico de português e passou os primeiros anos com grande dificuldade de comunicação. Ele dava a Novo Mundo de mãos cheias tudo o que tinha para dar: tempo, energia, atenção, capítulos cuidadosamente preparados, participação ativa no trabalho manual, e uma vida profunda de oração. Ainda assim, havia alguns relacionamentos difíceis entre ele e um ou outro dos monges de mais idade. Esta foi uma fonte de verdadeiro sofrimento para Padre Félix e o conduziu para as lutas mais clássicas e difíceis do monge: o combate com a ira, a tristeza e a acédia. Por ser um homem tão radicalmente bom no seu cerne, acho que não era nada fácil para ele ver o reflexo destas paixões no espelho do autoconhecimento, e enfrentar cada dia de novo as circunstâncias que provocavam estas paixões. Mas ele não desistia, por amor a Cristo.

Se eu partilho com vocês, irmãos, irmãs e amigos de Padre Félix, um pouco das primeiras duas etapas, é sobretudo, para fazer ressaltar a terceira. Pois Padre Félix realizou em plenitude o esquema de São Bernardo sobre as três etapas da vida monástica. Estes últimos vinte anos – anos de nossa convivência – foram um milagre. Ou melhor, uma série de milagres. Que privilégio ter testemunhado o nascimento e amadurecimento do homem sábio, do monge no senso mais pleno da palavra. Ano após ano, ele se tornava cada vez mais leve, mais compreensivo, mais jovial, mais equilibrado, cumprindo o mistério de seu nome, “felix” (que, como sabemos, é a forma latina para “feliz”). Como foi que Irmão Mário o descreveu na missa desta manhã? “Uma pessoa pacífica, tranquila e amorosa”. 

Paradoxalmente, quanto mais encurvado ele ficava fisicamente, mais elevado se tornava humanamente e espiritualmente, uma flecha disparada para o céu. O homem exterior ia se desfazendo enquanto o homem interior se renovava, humildemente e vitoriosamente. Cada um aqui presente conservará em seu coração um momento inesquecível desta glória do tempo da colheita de Padre Félix. Para mim, pessoalmente, o terço que todos nós rezamos com ele dois dias atrás, ao redor de seu leito na enfermaria, permanecerá para sempre na minha memória – em especial no momento em que, ao fim da oração "Salve, Regina", cada irmão dirigiu palavras breves e simples agradecidas a Padre Félix, por sua vida e seu testemunho; e ele com voz clara respondia, “Muito obrigado”.

Talvez haja um liturgista escondido aqui nesta igreja esta tarde que dirá que as normas litúrgicas determinam que a homilia na missa das exéquias não seja um elogio do falecido mas sim uma pregação da ressurreição. Mas é justamente isto o que quero dizer: Padre Félix aqui, já nesta vida, nesta terra, neste mosteiro, viveu a morte e a ressurreição de Cristo. Padre Félix, acamado na enfermaria, era uma pregação viva da ressurreição de Jesus. “Quero conhecer a Cristo, conhecer o poder de sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos.” Na igreja antiga, um dos nomes mais comuns para designar um monge era “um ressuscitado”. No fim de sua vida, Padre Félix era este ressuscitado, cheio de sabor e substância, encantador e profundo ao mesmo tempo. Agora ele aguarda o dia quando Cristo levará esta identidade de monge-ressuscitado à sua plenitude, numa glória que excede a nossa imaginação. Rezemos pela vinda deste dia, assim como Padre Félix rezou por ela com tanta intensidade. E vivamos com herdeiros agradecidos do seu legado magnífico.

Dom Bernardo Bonowitz, abade
Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo

18 janeiro 2016

Amor e Solidão


"A verdadeira unidade da vida solitária é aquela em que não há divisão possível. O verdadeiro solitário não busca a si mesmo, mas perde a si mesmo. Ele esquece que há multidão a fim de se tornar todos. Portanto ele é Não-Ouvinte (individual).
Ele está afinado com todo o Ouvir do mundo, pois vive em silêncio. Ele não escuta o fundo do ser, mas se identifica com aquele fundo no qual todos os seres se ouvem e conhecem a si mesmos. Portanto, não tem mais pensamentos para si mesmo. O que é esse fundo, essa unidade? É o Amor. O paradoxo da solidão é que sua verdadeira base é o amor universal – a verdadeira solidão é a unidade indivisa do amor para a qual não há número."


Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 17 e 18

11 janeiro 2016

Pseudo Solidão


"...Porque se você imaginar o solitário como ‘um’, que numericamente se isolou dos ‘muitos outros’, que simplesmente saiu da multidão para pendurar seu número individual numa rocha no deserto e lá receber mensagens negadas a muitos, falsa e demoníaca é a sua solidão. Isso é solipsismo, não solidão. É a falsa unidade da separação, na qual o indivíduo tira fora o seu próprio número, afirma-se dizendo ‘me esqueçam’."


Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 17

04 janeiro 2016

O vento da solidão

"Nenhum escrito sobre as dimensões de solidão, de meditação da vida pode dizer algo que já não tenha sido dito melhor pelo vento nos pinheiros."

Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 17