O discurso histórico do Papa Francisco no
Congresso dos Estados Unidos, na manhã de ontem (24 de setembro de 2015), demonstrou familiaridade com a história americana ao mencionar dois gigantes
cuja as vidas poderiam servir de inspiração para o desordenado
mundo em que vivemos. Foram duas escolhas óbvias: Abraham Lincoln e
Martin Luther King. Além destes, outros dois nomes “desconhecidos”
foram citados:
Dorothy Day e Thomas Merton.
Diante da euforia num primeiro momento, surge a pergunta: Papa Francisco, por que
Thomas Merton e Dorothy Day?
Não haveria momento mais oportuno, após a aula
dada por Francisco aos congressistas, para re-apresentar estas duas personalidades.
Dorothy nos é apresentada pelo Sumo Pontífice
nos seguintes termos:
“Nestes tempos em que as preocupações sociais
são tão importantes, não posso deixar de mencionar a Serva de Deus
Dorothy Day (…). O seu compromisso social, a sua paixão pela
justiça e pela causa dos oprimidos estavam inspirados pelo
Evangelho, pela sua fé e o exemplo dos Santos.”
Dorothy Day (1897-1980), fundadora do movimento
social Catholic Worker, desde sempre foi comprometida com os direitos dos
"últimos" nos EUA em nome do Evangelho.
Uma fiel também marcada pelo drama de um aborto antes da sua própria
conversão, hoje no caminho da santidade: a Arquidiocese de Nova
York, anos atrás, abriu o seu processo de beatificação.
Vamos a alguns trechos:
"Em consciência, sinto que não posso, em um
momento como este, continuar escrevendo só sobre questões como a
meditação. Acho que devo me confrontar com as grandes questões, as
questões de vida e morte. (…) O Catholic Worker é parte da minha
vida, Dorothy. Tenho certeza que o mundo está cheio de pessoas que
poderiam dizer o mesmo. Se não existisse o Catholic Worker, eu nunca
teria entrado na Igreja Católica".
A sintonia de entendimento, a firmeza profética,
a vida cultural e espiritual brotam de suas cartas.
"No dia 25 de julho, vou para Montreal para
fazer um retiro com os interessados na família espiritual de Charles
de Foucauld", escreve Dorothy em junho de 1959. "Estou
tentando entrar tanto no movimento leigo quanto na sua associação.
Mas não tenho certeza que eles me querem". Meses depois
comunica, no dia 22 de janeiro de 1960: "Já lhe disse que sou
uma postulante na Fraternidade da Caridade de Jesus na família de
Charles de Foucauld? Reze por mim".
É muito sólido o laço entre os dois: um
encerrado no claustro da Abadia de Gethsemani, a outra no turbilhão
de marchas e de protestos na frenética Nova York do pós-guerra.
Sobre Thomas Merton, falou o Papa Francisco:
“Um século atrás, no início da I Grande
Guerra que o Papa Bento XV definiu «massacre inútil», nascia outro
americano extraordinário: o monge cisterciense Thomas Merton. Ele
continua a ser uma fonte de inspiração espiritual e um guia para
muitas pessoas. Na sua autobiografia, deixou escrito: «Vim ao mundo
livre por natureza, imagem de Deus; mas eu era prisioneiro da minha
própria violência e do meu egoísmo, à imagem do mundo onde
nascera. Aquele mundo era o retrato do Inferno, cheio de homens como
eu, que amam a Deus e contudo odeiam-No; nascidos para O amar, mas
vivem no medo de desejos desesperados e contraditórios». Merton
era, acima de tudo, homem de oração, um pensador que desafiou as
certezas do seu tempo e abriu novos horizontes para as almas e para a
Igreja. Foi também homem de diálogo, um promotor de paz entre povos
e religiões.”
Estamos diante das duas pessoas
mais importantes, interessantes e influentes da história do
catolicismo norte-americano. Ambos flertaram com ideais marxistas,
para depois se encontrarem na plenitude
do amor-zênite da ética de Jesus Cristo.
Francisco pisou no solo onde um dia viveram atuais
“Marta” e “Maria”: enquanto uma trabalhava no front do
ativismo dos movimentos sociais, com foco nos trabalhadores, o outro
cantava salmos e escrevia sobre a metafísica da alma.
Apesar de suas vidas terem tomados caminhos diferentes, ambos se concentraram em questões pontuais de uma América
sem valores. Olhar para estes exemplos é comungar dos mesmos
sentimentos de um simpático Papa que, com seu carisma,
arranca aplauso até de quem é contrário a sua ideias.
Resta-nos agora redobrar a admiração com o vigor
e a ternura de Francisco, que apresentou ao mundo dois grandes
“desconhecidos” e os associou aos ideais de luta dos ilustres
Lincoln e Luther King.
Cristóvão de Sousa Meneses Júnior
Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton
EM TEMPO:
Waldecy nos lembra que há 53 anos uma oração redigida por um certo monge trapista foi rezada no Congresso Americano:
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Diálogos com o Silêncio, Thomas Merton (Fissus, 2003) página 175 | |
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