29 janeiro 2013

Amor negligenciado

"Quando penso agora naquele período de minha infância, a imagem que tenho de meu irmão é esta: parado no meio de um campo, a uns cem metros de distância das árvores onde havíamos construído nossa cabana, estava aquele garoto de cinco anos de idade, olhando perplexo, vestido calças curtas e uma espécie de jaqueta de couro, muito quieto, com os braços caídos ao lado do corpo, olhando na nossa direção, com medo de chegar mais perto por causa das pedradas, tão insultado quanto triste, com os olhos cheios de indignação e mágoa. E, todavia, não se afastava dali. Gritávamos para que ele saísse daí e fosse para casa, atirávamos algumas pedras na sua direção, mas ele não ia embora. Falávamos que fosse brincar em outro lugar, mas ele não se movia.

E ali ficava, sem soluçar, sem chorar, mas zangado e infeliz, ofendido e tremendamente triste. Olhava, porém, fascinado para aquilo que estávamos fazendo, isto é, pregando sarrafos por cima de nossa nova cabana. Seu imenso desejo de estar conosco e fazer o que fazíamos não o deixava ir-se embora. A lei escrita em sua natureza dizia que devia ficar com seu irmão mais velho e fazer o que ele fazia: não conseguia entender por que essa lei do amor estava sendo tão selvagem e injustamente violada em seu caso.

Muitas vezes acontecia a mesma coisa. E, em certo sentido, esta situação terrível é o padrão e protótipo de todo o pecado: a vontade deliberada e formal de rejeitar o amor desinteressado por nós pela razão puramente arbitrária de simplesmente não o querermos.

Queremos separar-nos desse amor. Nós o rejeitamos total e absolutamente e não queremos reconhecê-lo, simplesmente por que não nos agrada ser amados. Talvez o motivo mais profundo é que o fato de sermos amados desinteressadamente nos lembre de que todos precisamos do amor dos outros para levar avante nossa vida. Recusamos o amor e rejeitamos o convívio, à medida que isto parece à nossa perversa imaginação implicar uma forma obscura de humilhação."

The Seven Storey Mountain, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace, New York), 1948
No Brasil: A montanha dos sete patamares, (Editora Vozes, Petrópolis), 2005, p. 27

23 janeiro 2013

Uma espécie de rei

"Eu herdei de meu pai seu modo de ver as coisas e um pouco de sua integridade, de minha mãe herdei o descontentamento pelas enrascadas em que o mundo se meteu e um pouco de sua versatilidade. Recebi de ambos a capacidade de trabalhar, visão, prazer e expressão que poderiam ter feito de mim uma espécie de rei, se os padrões de que vivia o mundo fossem legítimos. Não que tivéssemos muito dinheiro, pois qualquer tolo sabe que não há necessidade de dinheiro para conseguir prazer na vida.

Se aquilo que as pessoas supõem como certo fosse verdadeiro - para ser feliz, o que você precisa é agarrar tudo, ver tudo e experimentar tudo e, depois, falar disso, eu teria sido uma pessoa muito feliz, um milionário espiritual desde o berço até agora.

Se a felicidade fosse apenas questão de dons naturais, jamais teria ingressado num mosteiro trapista quando cheguei à maioridade."

The Seven Storey Mountain, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace, New York), 1948
No Brasil: A montanha dos sete patamares, (Editora Vozes, Petrópolis), 2005, p. 10

15 janeiro 2013

Consciência nova em folha

"Mas oh!, quantas possibilidades estavam diante de mim e de meu irmão naquele tempo! Uma consciência nova em folha estava surgindo como função real e operativa da alma. Minhas opções eram tão somente agir com responsabilidade. Minha consciência estava limpa e informe o bastante para receber todo tipo de padrões e trabalhar com o mais perfeito deles, para trabalhar com a própria graça e com os valores do próprio Deus, se tivesse tido a chance para isso."

The Seven Storey Mountain, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace, New York), 1948
No Brasil: A montanha dos sete patamares, (Editora Vozes, Petrópolis), 2005, p. 17