31 janeiro 2007

Merton aos 50 anos

Anotação de Merton em seus diários, em 31 de janeiro de 1965, quando completou 50 anos de idade. Já passando bastante tempo no eremitério, lá passou a viver em tempo integral a partir de 15 de agosto de 1965, na festa de São Bernardo de Claraval:

“ Recolhido em minha casa, repousarei junto dela, porque sua convivência nada tem de desagradável, e sua intimidade, nada de fastidioso; ela traz consigo, pelo contrário, o contentamento e a alegria (Sabedoria 8,6).

Não posso imaginar maior causa de gratidão em meu qüinquagésimo aniversário do que ter acordado neste dia em um eremitério! (…) Ontem à noite, antes de me deitar, percebi o que a solidão realmente significa: é quando as cordas são largadas e o barco não está mais atado à terra, mas ruma para o mar sem amarras, sem restrições! Não o mar da paixão, mas, ao contrário, o mar de pureza e amor que é sem preocupação. (Em meio ao frio e à escuridão, ouço o toque do Angelus no mosteiro.) O belo resplendor de uma jóia no mel da luz do lampião. Festa!”

The Intimate Merton, editado por Jonathan Montaldo e Patrick Hart, OCSO
(HarperSanFrancisco, San Francisco, CA), 1999. p. 235-236
No Brasil: Merton na Intimidade (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 269-270
Reflexão especial de 31-01-2007

29 janeiro 2007

Em paz conosco mesmo

“ Receitamos uns aos outros remédios que nos trarão paz de espírito e, ainda assim, somos devorados pela ansiedade. Fazemos planos para o desarmamento e a paz entre as nações, e nossos planos mudam apenas a forma e o método das agressões. Os ricos têm tudo o que desejam, exceto felicidade, e os pobres são sacrificados à infelicidade dos ricos. Ditaduras usam suas polícias secretas para esmagarem milhões sob o intolerável peso de mentiras, injustiça e tirania, e os que ainda vivem em democracias esqueceram-se de como fazer bom uso de sua liberdade, pois a liberdade é fruto do espírito e não somos mais capazes de viver para algo além de nossos corpos. Como poderemos encontrar a paz, a paz verdadeira, se esquecemos que não somos máquinas de ganhar e gastar dinheiro, e sim, seres espirituais, filhos e filhas do Deus Altíssimo?”

The Monastic Journey, de Thomas Merton
Editado por Patrick Hart
(Doubleday & Company, Garden City, NY), 1978, p. 62
Reflexão da semana de 29-01-2007

Um pensamento para reflexão: “O mundo é, em sua essência, luta, conflito, divisão, divergência. Para que haja paz no mundo, o homem tem que renunciar ao egoísmo para fazer a paz, e não podemos promover a paz com outros se não estivermos em paz conosco mesmos.”
The Monastic Journey, Thomas Merton

22 janeiro 2007

Fantasias morais

“ Torna-se cada vez mais difícil avaliar a moralidade de uma ação que leva à guerra, porque é cada vez mais difícil saber precisamente o que está acontecendo. Não só a guerra é, cada vez mais, assunto para especialistas que operam um maquinário fantasticamente complexo, como, acima de tudo, há a questão do sigilo absoluto em tudo que afete seriamente a política de defesa. Podemos nos entreter lendo os relatórios na mídia e imaginar que esses ‘fatos’ são base suficiente para formar um juízo moral a favor ou contra a guerra. Mas, na realidade, estamos apenas elaborando fantasias morais num vazio. Seja qual for nossa decisão, permaneceremos completamente à mercê do poder governamental, ou melhor, do poder anônimo de gerentes e generais que estão por trás da fachada do governo. Não temos meios de influenciar diretamente as decisões e políticas criadas por essas pessoas. Na prática, temos de nos limitar a uma fé cada vez mais cega que cada vez mais se resigna a confiar nas ‘autoridades legitimamente constituídas’, sem ter a mais vaga idéia do próximo passo que a autoridade poderá dar. Essa condição de irresponsabilidade e passividade é extremamente perigosa. Dificilmente levará a uma genuína moralidade.”

Passion for Peace: The Social Essays of Thomas Merton
Editado porWilliam H. Shannon
(The Crossroad Publishing Company, New York, NY), 1995. p. 113-114
Reflexão da semana de 22-01-2007
Um pensamento para reflexão: “Costumávamos ter uma reputação inatacável entre os povos menos desenvolvidos do mundo. Éramos considerados os legítimos defensores da liberdade, da justiça e da paz, a esperança do futuro. Nosso ódio, nossa ignorância e nossa frustração nos fizeram perder esta tremenda vantagem [escrito em 1962]”
Passion for Peace: The Social Essays of Thomas Merton

15 janeiro 2007

Um homem e a graça

(Notas sobre a situação do problema racial antes do início da violência — 1962)

“ Felizmente, os negros têm um líder, que é um homem da graça, que entende a lei do amor, o mistério da maior graça secreta concedida ao negro e a ninguém mais. A graça que os criadores dos primeiros spirituals conheciam bem: a graça da escolha que fez deles os eleitos de Deus, a graça que os elevou acima das coisas insignificantes e triviais da vida, mesmo em meio a terrível e injusto sofrimento.

O negro sabe coisas que o branco jamais poderá saber. Coisas que pertencem ao destino espiritual puro e singular da América que foram negadas ao branco, e que lhe serão negadas para sempre por causa de sua brutalidade para com o negro e o indígena. Assim, também há coisas que só o judeu pode saber, vedadas para sempre ao gentio, mesmo aos melhores cristãos.

Contudo, infelizmente, esta herança secreta, essa preciosíssima revelação de Deus que pressentimos ouvindo o canto de Mahalia Jackson, assim como a música dos maiores e obscuros artistas do jazz, também pode ser perdida. O mero fato de ser negro não garante que se seja digno desta preciosa herança.”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 112-113
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 129-130
Reflexão da semana de 15-01-2007

Um pensamento para reflexão: “Agir por amor à verdade, ‘realizando a verdade na caridade’, é agir apenas em função da verdade, sem se preocupar com as conseqüências. Isso não significa fazer impensadamente o que parece ser bom sem se importar com um possível desastre, mas sim fazer cuidadosamente o que se acredita ser uma boa opção e depois deixar que o próprio produzir suas boas conseqüências no seu devido tempo.”
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

08 janeiro 2007

O antigo e o novo

“Para o ‘homem antigo’, tudo é velho: ele já viu, ou acha que viu, tudo. Perdeu a esperança em qualquer coisa nova. O que lhe agrada é o ‘velho’ ao qual se agarra, temendo perdê-lo, embora não sinta-se feliz com isso. E assim se mantém ‘antigo’ sem poder mudar, porque não está aberto a novidade alguma. Sua vida é estagnada e fútil…

Para o ‘homem novo’, tudo é novo. Mesmo o antigo se transfigura no Espírito Santo e é sempre novo. Nada há a que se agarrar, nada há que esperar, porque o que já passou não mais existe.O homem novo é aquele que pode achar realidade onde ela não pode ser vista com os olhos da carne — onde ainda não está —, realidade que é criada no momento em que ele a vê. Que não existiria (ao menos para ele) se ele não a visse.

O homem novo vive num mundo que está sempre sendo criado e renovado. Vive no reino da renovação e da criação. Vive a vida.

O homem antigo vive sem vida. Vive na Morte e agarra-se ao que morreu exatamente por ele se agarrar a isso. Sua luta é desditosa e não pode ser um substituto da vida.

Pensei sobre estas coisas hoje após a [santa] comunhão quando, de repente, me dei conta de que, por muito tempo, eu perdera profundamente a esperança em “algo novo”. Que tolice, pois, na verdade, o novo sempre está presente.” [18 de março de 1959]

A Search for Solitude — Journals, Volume 3, de Thomas Merton
Editado por Lawrence S. Cunningham
(HarperSanFrancisco, San Francisco), 1997, p. 268-269
Reflexão da semana de 08-01-2007

Um pensamento a relembrar: “O que nos resta a fazer além de manter-nos tranqüilos e em paz na encantadora maravilha da misericórdia de Deus para conosco? Ela se derrama nesta folha de papel mais silenciosa do que o sol da manhã e, então, sei que todas as coisas, sem o Seu amor, são inúteis, e que, em Seu amor, nada tendo, posso tudo possuir.”
A Search for Solitude, Thomas Merton

01 janeiro 2007

O mistério do Natal

“ Portanto, o mistério do Natal nos impõe uma dívida e uma obrigação para com os demais homens e para com todo o universo criado. Nós que vimos a luz de Cristo somos obrigados, pela grandeza da graça que nos foi dada, a tornar a presença do Salvador conhecida até os confins da Terra. Isto faremos não só pregando a boa-nova de sua vinda, mas, sobretudo, revelando-o em nossas vidas. Cristo nasceu hoje para nós, de maneira a poder manifestar-se ao mundo através de nós. Este dia é o do Seu nascimento, mas todos os dias de nossa vida mortal devem ser sua manifestação, sua divina Epifania no mundo que Ele criou e redimiu.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 112
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 115
Reflexões da semana de 01-01-2007



O pensamento da semana: “Cristo vive no mundo naqueles que o tomam como sua luz, força e proteção. É para eles que veio ao mundo em sua encarnação.”
Tempo e liturgia, Thomas Merton