30 outubro 2006

Democracia

“ Não é exagero dizer que uma sociedade democrática é fundamentada em uma espécie de fé: na convicção de que cada cidadão é capaz de assumir, e assume, total responsabilidade política. Cada um não apenas entende amplamente os problemas do governo como também está disposto a tomar parte em sua solução. Em suma, a democracia pressupõe que o cidadão saiba o que está acontecendo, entenda as dificuldades da situação e tenha elaborado por si mesmo uma resposta que o ajudará a contribuir, inteligente e construtivamente, para o trabalho comum (ou ‘liturgia’) de governar sua sociedade.

Para que assim seja, é preciso muita preparação educacional sólida. Um verdadeiro treinamento da mente. Uma formação genuína nas disciplinas intelectuais e espirituais sem as quais a liberdade é impossível.

Deve haver uma troca de idéias completamente livre. As opiniões das minorias, inclusive as opiniões que possam parecer perigosas, devem ser ouvidas, claramente entendidas e seriamente avaliadas por seus próprios méritos, não meramente suprimidas. As crenças e disciplinas religiosas devem ser respeitadas. Os direitos da consciência individual devem ser protegidos contra todo tipo de abuso evidente ou oculto.

A democracia não pode existir quando os homens preferem idéias e opiniões que são fabricadas para eles. As ações e as declarações dos cidadãos não devem ser meras ‘reações’ automáticas – meras saudações mecânicas, gesticulações que signifiquem a conformidade passiva com os ditames de quem está no poder.

Para sermos verdadeiros, teremos de admitir que não se pode esperar que isto seja realizado em todos os cidadãos de uma democracia. Mas, se não for realizado em uma proporção significativa dos cidadãos, a democracia deixa de ser um fato objetivo para se tornar apenas uma palavra com carga emocional.

Qual é a situação hoje nos Estados Unidos?”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 100-101
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 115-116
Reflexão da semana de 30-10-2006

Um pensamento para recordar: “A democracia não pode existir quando os homens preferem idéias e opiniões que são fabricadas para eles.”
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

23 outubro 2006

Oração e revolta

“ ‘Os santos’ — disse Bernanos [o conhecido autor do Diário de um pároco de aldeia] , ‘não são pessoas resignadas, pelo menos no sentido em que o mundo o acredita. Se sofrem em silêncio as injustiças que perturbam os medíocres, é de maneira a voltar contra a injustiça, contra sua face dura, toda a força de suas grandes almas. As cóleras, filhas do desespero, se insinuam e se debatem como vermes. A oração, afinal de contas, é a única forma de revolta que permanece de pé.’

Há nisso uma grande verdade sob todos os pontos de vista. Uma espiritualidade que prega a resignação em face de brutalidades ‘oficiais’, a anuência servil com frustração e esterilidade, a submissão total à injustiça organizada é uma espiritualidade que não mais se interessa pela santidade, mas se preocupa apenas com a noção espúria da ‘ordem’. Por outro lado, é tão fácil desperdiçar energia nos inúteis esforços daquela ‘cólera filha do desespero’, na recriminação vã que sente uma perversa alegria em culpar todos os demais quando fracassamos. Podemos certamente fracassar na realização daquilo que pensávamos ser a vontade de Deus para nós e para a Igreja. Mas simplesmente nos vingarmos com ressentimento contra os que nos atrapalharam não é voltar a força de nossa alma (se a temos) contra a ‘face dura da injustiça’. É outro modo de ceder a ela.

Pode haver um toque de estoicismo na linguagem de Bernanos aqui, porém não importa. Um pouco mais de força estóica não nos faria mal e não seria forçosamente um obstáculo à graça!”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 165
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 191
Reflexão da semana de 23-10-2006

Um pensamento para recordar: “A oração é a única forma de revolta que permanece de pé.”
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

16 outubro 2006

“Mundanidade”

“ Para mim, a atitude ‘mundana’ que creio ser nefasta não é apenas ‘voltar-se para o mundo’, nem mesmo a secularização total que se quer sem compromissos, da turma do ‘honest to God’. É ainda menos a nobre preocupação pela justiça social e pelo bom emprego da tecnologia a serviço das verdadeiras necessidades do homem em sua indigência e seu desespero. O que quero dizer por ‘mundanidade’ é o envolvimento na absurda e maciça mitologia da cultura tecnológica e em todas as invenções obsessivas de sua mente vazia. Um dos sintomas disso é precisamente a angustiada preocupação de manter-se em dia com a fictícia, sempre variável e complexa ortodoxia em matéria de gosto, política, culto, credo, teologia e que sei mais — um cultivar o jeito de redefinir, dia a dia, a própria identidade em harmonia com a autodefinição da sociedade. ‘Mundanidade’, a meu ver, é típico dessa espécie de servidão em relação ao cuidado com as aparências e a ilusão, essa agitação em torno de pensar os pensamentos certos e usar os chapéus corretos; essa vulgar e vergonhosa preocupação, não com a verdade, mas apenas com aquilo que está em voga. A meu ver, a preocupação dos cristãos em manterem-se na moda por medo de ‘perderem o mundo’ é apenas mais uma lamentável admissão de que já o perderam.”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 284
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 329
Reflexão da semana de 16-10-2006

Um pensamento para recordar: “Uma frase do Zen no livro de Jó: “É pela tua sabedoria que o falcão voa?” (39,26)
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

09 outubro 2006

Um Corpo de ossos quebrados

“ Enquanto estivermos nesse mundo, o amor que nos une nos há de fazer sofrer pelo simples contato mútuo, porque esse amor é a reconstrução de um Corpo de ossos quebrados. Mesmo os santos não podem conviver como santos, aqui na Terra, sem alguma angústia e alguma dor ocasionadas pelas divergências que entre eles surgem.

Existem duas coisas que os homens podem fazer sobre a dor causada pela desunião. Podem amar ou podem odiar.

O ódio se encolhe diante do sacrifício e da dor dos que são o preço da reposição dos ossos; recusa o sofrimento exigido para a reunião.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 72
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 76-77
Reflexão da semana de 09-10-2006

Um pensamento para recordar: “Não encontramos o sentido da vida sozinhos — nós o encontramos com um outro.”
Amor e vida, de Thomas Merton

02 outubro 2006

Desperdiçando os dons de Deus

“ Há, na vida espiritual, uma fase em que encontramos Deus em nós – essa presença é um efeito criado do seu amor. É um dom de seu amor por nós. Permanece em nós. Todos os dons de Deus são bons. Mas, se nos detemos neles em lugar de neles repousar, perdem, para nós, a sua bondade. O mesmo sucede com esse dom.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958. p. 54
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 45
Reflexão da semana de 02-10-2006

Um pensamento para recordar: “Quando nos dispomos simplesmente a obedecer a Deus, um pouco de esforço poderá fazer uma grande diferença.”
Contemplative Prayer, de Thomas Merton