27 maio 2013

Arriscar tudo

“E, se seguirmos a Cristo, cedo ou tarde temos de arriscar tudo para tudo possuir. Temos de jogar com o invisível e ariscar tudo que podemos ver, sentir e experimentar. Mas sabemos que vale a pena arriscar, porque nada há de menos seguro do que o mundo passageiro. 'Pois a figura deste mundo passa' (1Cor 7,31).

Sem coragem, jamais poderemos atingir a verdadeira simplicidade. A covardia nos mantém num espírito de 'duplicidade', hesitando entre o mundo e Deus. Ora, com essa hesitação não há verdadeira fé – a fé é apenas uma opinião. Não possuímos nunca a certeza, porque nunca nos decidimos a ceder totalmente à autoridade do Deus invisível. Essa hesitação é a morte da esperança. Não abrimos mão, nunca, daqueles apoios visíveis que, bem o sabemos, um dia nos hão seguramente de falhar. Essa hesitação torna a verdadeira oração impossível – nunca chega a ousar pedir algo ou, se pede, está tão incerta de ser ouvida que, em cada ato de petição, procura fraudulentamente construir, pela prudência humana, uma resposta provisória, que lhe satisfaça (cf. Tg 1,5-8).

De que adianta orar se, em cada momento da oração, temos tão pouca confiança em Deus, que nos ocupamos em fazer planos para dar uma resposta ao nosso gosto à nossa oração?”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958.
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p.29 e 30

21 maio 2013

Domínio de si

“Para conseguir o domínio de nós mesmos, temos que estar de posse de um certo grau de confiança, de esperança na vitória. E, para manter essa esperança viva, devemos, geralmente, ter saboreado a vitória. Temos de saber o que é a vitória e preferi-la à derrota.

Não há esperança para alguém que luta por obter uma virtude abstrata – uma qualidade de que não possui nenhuma experiência. Nunca poderá, eficazmente, preferir a virtude ao vício oposto, seja qual for o grau com que, aparentemente, despreza esse vício.

Todos possuem um desejo espontâneo de fazer coisas boas e de evitar as más. No entanto, esse desejo é estéril enquanto não temos a experiência do que significa ser bom.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958.
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p.26

13 maio 2013

Temperamento

“O temperamento não predestina um homem à santidade e outro à reprovação. Todos os temperamentos podem servir de material para a ruína ou a salvação. Temos de aprender a ver como nosso temperamento é um dom de Deus, um talento que devemos fazer valer, até que ele venha. Não importa até que ponto somos dotados de um temperamento difícil ou ingrato. Se fizermos bom uso do que temos, se disso nos utilizarmos para servir nossos bons desejos, podemos conseguir mais do que alguém que apenas serve seu temperamento em lugar de obrigá-lo a servi-lo.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958.
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p.20

06 maio 2013

Ilusória realidade

“Não há, na vida espiritual, desastre que se compare ao de se ver imerso na irrealidade, pois a vida se mantém e é em nós nutrida por nossa relação vital com as realidades que se encontram fora e acima de nós. Quando nossa vida se nutre de irrealidade, morremos de fome. Não há maior desgraça do que confundir essa morte estéril com a verdadeira e frutuosa “morte”, pela qual entramos na vida.

A morte que nos dá entrada à vida não é uma fuga à realidade, mas um dom total de nós mesmos que inclui uma completa entrega à realidade. Começa pela renúncia à ilusória realidade que as coisas criadas adquirem, quando consideradas apenas em relação aos nossos egoístas interesses particulares.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958.
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 17