25 dezembro 2006

Votos de Natal de Merton (1965)

“ Espero que estejam bem e felizes e para isso tenho rezado. Desejo a vocês todas as alegrias do Natal e um feliz Ano Novo. Que Deus lhes dê uma fé mais profunda, mais luz, mais força e graça para aceitar Sua vontade com mais paz e clareza. Que tenham maior confiança no Senhor e que Ele nos alegre a todos com Sua luz. Que Deus os abençoe.”

Introductions East and West: The Foreign Prefaces of Thomas Merton
Editado por Robert E. Daggy
(Unicorn Press, Inc. Greensboro) 1981. p. 86
Reflexão da semana de 25-12-2006

18 dezembro 2006

A longa espera

“ O quanto esperamos, com mente quieta como o tempo,
Como sentinelas na torre.
O quanto vigiamos, à noite, como astrônomos.

Céu, quando te ouviremos cantar,
Acima das colinas relvadas,
E dizer: “Fim das trevas, e o Dia
Exulta qual Esposo que sai do tálamo, belo sol,
Sua tenda, o sol; Sua tenda, o sorridente céu!”

O quanto esperamos, com a mente escura como um lago,
Estrelas deslizando para casa na água do nosso ocaso!
Céu, quando te ouviremos cantar?”


How long we wait, with minds as quiet as time,
Like sentries on a tower.
How long we watch, by night, like the astronomers.

Heaven, when will we hear you sing,
Arising from our grassy hills,
And say: “The dark is done, and Day
Laughs like a Bridegroom in His tent, the lovely sun,
His tent the sun, His tent the smiling sky!”?

How long we wait with minds as dim as ponds

While stars swim slowly homeward in the water of our west!
Heaven, when will we hear you sing?

Collected Poems, Thomas Merton.
(New Directions Press, New York) 1977, p. 89-90

Reflexão da semana de 18-12-2006

O pensamento da semana: “A vigilância é uma expressão particular da pureza de coração monástica — a virgindade do espírito ‘própria’ à vida de contemplação. Deixamos tudo para vigiar à noite ‘sobre os muros de Jerusalém’. Esperamos a Parusia com as lâmpadas prontas, como virgens prudentes.”

Tempo e liturgia, Thomas Merton

11 dezembro 2006

Redenção

“ A redenção não é simplesmente um fato histórico passado, com efeito jurídico sobre almas individuais. É uma realidade sempre presente, viva e eficaz, que penetra nas mais íntimas profundezas do nosso ser pela palavra da salvação e o mistério da fé. A redenção é o próprio Cristo ‘que se tornou para nós sabedoria e justiça de Deus, santificação e redenção’ (1Cor 1,30), vivo e partilhando Sua vida divina com Seu eleito. Ser redimido não é apenas ser absolvido da culpa diante de Deus; é também viver em Cristo, renascer pela água e pelo Espírito Santo para ser nele nova criatura, viver no Espírito.

Dizer que a redenção é uma realidade sempre presente é dizer que Cristo se apropriou do tempo e o santificou, dando-lhe caráter sacramental, fazendo dele sinal eficaz de nossa união com Deus nele. Assim, o ‘tempo’ é um meio que torna o fato da redenção presente a todos os homens.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 48-49
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 52-53
Reflexões da semana de 11-12-2006

Pensamento para a semana: “Jesus tornou esse vaivém de luz e trevas, atividade e repouso, nascimento e morte, o sinal de uma vida superior, vida que vivemos nele, vida que não conhece declínio e dia que não se transforma em trevas.”
Tempo e liturgia, Thomas Merton

10 dezembro 2006

Thomas Merton: 31-01-1915 — 10-12-1968

SENHOR, MEU DEUS, não sei para onde vou. Não vejo o caminho diante de mim. Não posso saber com certeza onde terminará. Nem sequer, em realidade, me conheço, e o fato de pensar que estou seguindo a Tua vontade não significa que, em verdade, o esteja fazendo.

Mas creio que o desejo de Te agradar Te agrada realmente. E espero ter esse desejo em tudo que faço. Espero que jamais farei algo de contrário a esse desejo. E sei que, se assim fizer, Tu me hás de conduzir pelo caminho certo, embora eu nada saiba a esse respeito.

Portanto, sempre hei de confiar em Ti, ainda que me pareça estar perdido e nas sombras da morte. Não hei de temer, pois estás sempre comigo e nunca me abandonarás, para que eu enfrente sozinho os perigos que me cercam.

Na liberdade da solidão, Thomas Merton

04 dezembro 2006

Advento: esperança ou ilusão?

“ A certeza da esperança cristã está além da paixão ou do conhecimento. Assim, devemos por vezes contar que nossa esperança entre em conflito com as trevas, o desespero e a ignorância. Assim também, devemos lembrar-nos de que o otimismo cristão não é uma perpétua sensação de euforia, uma consolação indefectível, em presença das quais não podem existir nem angustias, nem tragédias. Não nos devemos esforçar por manter um clima de otimismo pela mera supressão de realidades trágicas. O otimismo cristão reside numa esperança de vitória que transcende toda tragédia Uma vitória em que passamos além da tragédia para a glória com Cristo crucificado e ressuscitado.
(...)
Mas a Igreja, ao nos preparar para o nascimento de um ‘grande profeta’, um Salvador, um Rei da Paz tem algo mais em mente do que uma simples festa para alegrar. O mistério do Advento focaliza a luz da fé sobre o próprio sentido da vida, da história, do homem, do mundo e de nosso próprio ser. No Advento, celebramos a vinda e, em realidade, a presença de Cristo em nosso mundo. Damos testemunho da sua presença mesmo no meio de todos os seus problemas imperscrutáveis e de suas tragédias. Nossa fé no Advento não é uma fuga do mundo para dentro de uma região nebulosa de ‘slogans’ e consolações que declaram ser nossos problemas irreais e nossas tragédias inexistentes.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 88-89
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 91-92

Reflexões da semana de 04-12-2006

O pensamento da semana: “Vivemos no reino de Cristo, o novo mundo consagrado a Deus, o reino messiânico, a nova Jerusalém. A história do reino se está desenrolando, mas o mistério da fé, oculto aos sábios deste mundo. (1Cor, 1, 19-21)"
Tempo e liturgia, Thomas Merton

27 novembro 2006

A disciplina que conduz ao amor

“ Basicamente, a disciplina que se trata aqui, outra coisa não é senão a crucificação que elimina um tipo de experiência superficial e egoísta, abrindo-nos à liberdade de uma vida que não é dominada por egoísmo, vaidade, obstinação, paixão, agressividade, inveja e avareza. Enfim, disciplina significa uma espécie de solidão, não no sentido de um retraimento egoísta, e sim no de um vazio que não mais acalenta a sensação de conforto oferecida pelos diversos ‘ídolos’ sociais e que não é uma escrava que depende da aprovação de outros. Numa solidão assim, aprende-se a não procurar o amor, mas a dá-lo. A maior necessidade que se tem não é mais a de ser amado, compreendido, aceito, perdoado, e sim a de compreender, amar, perdoar e aceitar os outros como eles são, para ajudá-los a se transcenderem no amor.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.131-132
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 119

Reflexão da semana de 27-11-2006

O pensamento da semana: “Nossa disciplina deve levar-nos a descobrir não até que ponto temos razão, mas o quanto estamos errados.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

20 novembro 2006

Disciplina e consciência crítica

“ O propósito da disciplina é, no entanto, dar-nos uma consciência crítica em relação às limitações da própria linguagem da vida espiritual e das idéias sobre essa vida. Em nível elementar, a disciplina nos torna críticos quanto aos falsos valores da vida social (por exemplo, faz-nos perceber experimentalmente que a felicidade não está nos costumeiros rituais de consumo de uma sociedade afluente). Em um nível mais elevado, revela-nos as limitações das idéias espirituais formalistas e toscas. A disciplina desenvolve nossa visão crítica e nos mostra como é inadequado o que antes aceitávamos como válido em nossa vida religiosa e espiritual. Permite que abandonemos e descartemos, por serem irrelevantes, certos tipos de experiência que, no passado, tinham grande significado para nós. Faz-nos ver aquilo que antes servia de verdadeira ‘inspiração’ agora como rotina gasta, que devemos ultrapassar em busca de outra coisa. A disciplina nos dá coragem para enfrentar o risco e a angústia da ruptura com nosso nível anterior de experiência. Ela nos permite, na linguagem de São João da Cruz, enfrentar a Noite Escura com plena consciência da necessidade de sermos despojados do que antes nos gratificava e ajudava.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.128-129

No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 116
Reflexão da semana de 20-11-2006


O pensamento da semana: “A necessidade de disciplina é a mesma necessidade de vigilância, de prontidão e de disponibilidade desta parábola do Evangelho de São Mateus (25,6): ‘Aqueles que se mantêm na espera do Senhor precisam estar com suas lâmpadas acesas e bem preparadas.’ (...) [Disciplina monástica] implica cultivar certas condições interiores de consciência, de abertura, de prontidão para o novo e o inesperado.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

13 novembro 2006

A função da disciplina

“ O treinamento e a disciplina das nossas faculdades e do nosso ser destina-se a aprofundar e ampliar nossa capacidade de experiência, de consciência, de compreensão, de uma vida mais elevada, de uma vida ‘em Cristo” e ‘no Espírito’ mais profunda e autêntica. A disciplina não visa apenas à perfeição moral (desenvolvimento da virtude como um fim em si), mas também à auto-transcendência, à transformação em Cristo ‘de glória em glória, segundo a ação do Espírito do Senhor’ (São Paulo). A morte e crucifixão do antigo eu, do homem rotineiro que leva uma vida social egoísta e convencional, leva à Ressurreição em Cristo de um ‘homem totalmente novo’ que é ‘um só espírito’ com Cristo. Esse homem novo não é apenas o homem velho possuidor de um certificado legal que lhe dá direito a um prêmio. Ele não é mais o mesmo, e sua recompensa é precisamente essa transformação que faz dele não mais o sujeito isolado de um prêmio limitado, e sim, ‘um com Cristo’ e, em Cristo, com todos os homens e mulheres. Portanto, o propósito da disciplina não é só nos ajudar a “ligar” e entender as dimensões interiores da existência, e sim transformar-nos em Cristo de tal modo que transcendamos inteiramente existência rotineira. (Ao transcendê-la, contudo, redescobrimos seu valor existencial e sua solidez. Transformação não é repúdio da vida comum, mas sua redescoberta definitiva em Cristo).”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.117
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 105
Reflexão da semana de 13-11-2006

O pensamento do dia: “A verdadeira função da disciplina não é prover-nos de mapas, mas dar maior acuidade ao nosso sentido de direção. Isso para que, ao nos empenhar realmente na caminhada, possamos viajar sem mapas.”
Contemplação num Mundo de Ação, Thomas Merton

06 novembro 2006

Zelo religioso e fanatismo político

“ A meditação não nos oferece necessariamente uma visão privilegiada do significado de eventos históricos isolados. Estes podem continuar a ser um mistério angustiante para os cristãos tanto quanto para qualquer um. Para nós, contudo, o mistério contém, em sua própria escuridão e seus próprios silêncios, uma presença e um significado que captamos sem os entendermos por completo. E, através deste contato espiritual, deste ato de fé, situamo-nos adequadamente em relação aos fatos que nos rodeiam, mesmo sem ver com clareza aonde vão.

Uma coisa é certa: a humildade da fé, se acompanhada das conseqüências pertinentes — a aceitação do trabalho e do sacrifício requeridos por esta tarefa providencial — serão muito mais eficazes em nos lançar no pleno curso da realidade histórica do que as pomposas racionalizações dos políticos que se consideram, de alguma forma, como condutores e manipuladores da história. Os políticos podem, sim, fazer história, mas o significado do que estão fazendo é, inexoravelmente, algo como um idioma que jamais entenderão e que contraria seus próprios programas e transforma todas as suas realizações em uma paródia absurda de suas promessas e ideais.

Sem dúvida, é verdade que a religião num nível superficial, a religião que é infiel a si mesma e a Deus, pode facilmente tornar-se o ‘ópio do povo’. Isto acontece sempre que a religião e a oração invocam o nome de Deus por motivos e com propósitos que nada têm a ver com Ele. Quando a religião se constitui numa mera fachada artificial para justificar um sistema social ou econômico — quando a religião empresta seus ritos e sua linguagem para os propagandistas políticos e quando a oração vem a ser um veículo para um programa ideológico puramente secular, então, sim, a religião se torna um opiáceo. Amortece o espírito a ponto de permitir que a ficção e a mitologia substituam a verdade da vida. E isso acarreta a alienação do fiel, de forma que seu zelo religioso torna-se fanatismo político. Sua fé em Deus, ao preservar fórmulas tradicionais torna-se, de fato, fé na sua própria nação, classe ou raça. Sua ética deixa de ser a lei de Deus e do amor e se transforma na ‘lei do mais forte’: o privilégio estabelecido justifica tudo. Deus está no status quo.”

Contemplative Prayer, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1996, p. 112-113
Reflexão da semana de 06-11-2006

O pensamento do dia: “A oração não nos cega ao mundo, mas transforma nossa visão do mundo e nos faz vê-lo, assim como ver todos os homens e toda história da humanidade, à luz de Deus. Orar em ‘espírito e verdade’ nos permite entrar em contato com aquele amor infinito, aquela liberdade impenetrável que está por trás das complexidades e dificuldades da existência humana.”
Contemplative Prayer, Thomas Merton

30 outubro 2006

Democracia

“ Não é exagero dizer que uma sociedade democrática é fundamentada em uma espécie de fé: na convicção de que cada cidadão é capaz de assumir, e assume, total responsabilidade política. Cada um não apenas entende amplamente os problemas do governo como também está disposto a tomar parte em sua solução. Em suma, a democracia pressupõe que o cidadão saiba o que está acontecendo, entenda as dificuldades da situação e tenha elaborado por si mesmo uma resposta que o ajudará a contribuir, inteligente e construtivamente, para o trabalho comum (ou ‘liturgia’) de governar sua sociedade.

Para que assim seja, é preciso muita preparação educacional sólida. Um verdadeiro treinamento da mente. Uma formação genuína nas disciplinas intelectuais e espirituais sem as quais a liberdade é impossível.

Deve haver uma troca de idéias completamente livre. As opiniões das minorias, inclusive as opiniões que possam parecer perigosas, devem ser ouvidas, claramente entendidas e seriamente avaliadas por seus próprios méritos, não meramente suprimidas. As crenças e disciplinas religiosas devem ser respeitadas. Os direitos da consciência individual devem ser protegidos contra todo tipo de abuso evidente ou oculto.

A democracia não pode existir quando os homens preferem idéias e opiniões que são fabricadas para eles. As ações e as declarações dos cidadãos não devem ser meras ‘reações’ automáticas – meras saudações mecânicas, gesticulações que signifiquem a conformidade passiva com os ditames de quem está no poder.

Para sermos verdadeiros, teremos de admitir que não se pode esperar que isto seja realizado em todos os cidadãos de uma democracia. Mas, se não for realizado em uma proporção significativa dos cidadãos, a democracia deixa de ser um fato objetivo para se tornar apenas uma palavra com carga emocional.

Qual é a situação hoje nos Estados Unidos?”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 100-101
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 115-116
Reflexão da semana de 30-10-2006

Um pensamento para recordar: “A democracia não pode existir quando os homens preferem idéias e opiniões que são fabricadas para eles.”
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

23 outubro 2006

Oração e revolta

“ ‘Os santos’ — disse Bernanos [o conhecido autor do Diário de um pároco de aldeia] , ‘não são pessoas resignadas, pelo menos no sentido em que o mundo o acredita. Se sofrem em silêncio as injustiças que perturbam os medíocres, é de maneira a voltar contra a injustiça, contra sua face dura, toda a força de suas grandes almas. As cóleras, filhas do desespero, se insinuam e se debatem como vermes. A oração, afinal de contas, é a única forma de revolta que permanece de pé.’

Há nisso uma grande verdade sob todos os pontos de vista. Uma espiritualidade que prega a resignação em face de brutalidades ‘oficiais’, a anuência servil com frustração e esterilidade, a submissão total à injustiça organizada é uma espiritualidade que não mais se interessa pela santidade, mas se preocupa apenas com a noção espúria da ‘ordem’. Por outro lado, é tão fácil desperdiçar energia nos inúteis esforços daquela ‘cólera filha do desespero’, na recriminação vã que sente uma perversa alegria em culpar todos os demais quando fracassamos. Podemos certamente fracassar na realização daquilo que pensávamos ser a vontade de Deus para nós e para a Igreja. Mas simplesmente nos vingarmos com ressentimento contra os que nos atrapalharam não é voltar a força de nossa alma (se a temos) contra a ‘face dura da injustiça’. É outro modo de ceder a ela.

Pode haver um toque de estoicismo na linguagem de Bernanos aqui, porém não importa. Um pouco mais de força estóica não nos faria mal e não seria forçosamente um obstáculo à graça!”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 165
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 191
Reflexão da semana de 23-10-2006

Um pensamento para recordar: “A oração é a única forma de revolta que permanece de pé.”
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

16 outubro 2006

“Mundanidade”

“ Para mim, a atitude ‘mundana’ que creio ser nefasta não é apenas ‘voltar-se para o mundo’, nem mesmo a secularização total que se quer sem compromissos, da turma do ‘honest to God’. É ainda menos a nobre preocupação pela justiça social e pelo bom emprego da tecnologia a serviço das verdadeiras necessidades do homem em sua indigência e seu desespero. O que quero dizer por ‘mundanidade’ é o envolvimento na absurda e maciça mitologia da cultura tecnológica e em todas as invenções obsessivas de sua mente vazia. Um dos sintomas disso é precisamente a angustiada preocupação de manter-se em dia com a fictícia, sempre variável e complexa ortodoxia em matéria de gosto, política, culto, credo, teologia e que sei mais — um cultivar o jeito de redefinir, dia a dia, a própria identidade em harmonia com a autodefinição da sociedade. ‘Mundanidade’, a meu ver, é típico dessa espécie de servidão em relação ao cuidado com as aparências e a ilusão, essa agitação em torno de pensar os pensamentos certos e usar os chapéus corretos; essa vulgar e vergonhosa preocupação, não com a verdade, mas apenas com aquilo que está em voga. A meu ver, a preocupação dos cristãos em manterem-se na moda por medo de ‘perderem o mundo’ é apenas mais uma lamentável admissão de que já o perderam.”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 284
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 329
Reflexão da semana de 16-10-2006

Um pensamento para recordar: “Uma frase do Zen no livro de Jó: “É pela tua sabedoria que o falcão voa?” (39,26)
Reflexões de um espectador culpado, de Thomas Merton

09 outubro 2006

Um Corpo de ossos quebrados

“ Enquanto estivermos nesse mundo, o amor que nos une nos há de fazer sofrer pelo simples contato mútuo, porque esse amor é a reconstrução de um Corpo de ossos quebrados. Mesmo os santos não podem conviver como santos, aqui na Terra, sem alguma angústia e alguma dor ocasionadas pelas divergências que entre eles surgem.

Existem duas coisas que os homens podem fazer sobre a dor causada pela desunião. Podem amar ou podem odiar.

O ódio se encolhe diante do sacrifício e da dor dos que são o preço da reposição dos ossos; recusa o sofrimento exigido para a reunião.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 72
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 76-77
Reflexão da semana de 09-10-2006

Um pensamento para recordar: “Não encontramos o sentido da vida sozinhos — nós o encontramos com um outro.”
Amor e vida, de Thomas Merton

02 outubro 2006

Desperdiçando os dons de Deus

“ Há, na vida espiritual, uma fase em que encontramos Deus em nós – essa presença é um efeito criado do seu amor. É um dom de seu amor por nós. Permanece em nós. Todos os dons de Deus são bons. Mas, se nos detemos neles em lugar de neles repousar, perdem, para nós, a sua bondade. O mesmo sucede com esse dom.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958. p. 54
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 45
Reflexão da semana de 02-10-2006

Um pensamento para recordar: “Quando nos dispomos simplesmente a obedecer a Deus, um pouco de esforço poderá fazer uma grande diferença.”
Contemplative Prayer, de Thomas Merton

25 setembro 2006

Esperança e caridade

“ Podemos amar a Deus de dois modos: ou porque esperamos Dele alguma coisa, ou porque Nele esperamos, sabendo que nos ama. Às vezes começamos com a primeira maneira de esperar e progredimos para a segunda. Nesse caso, a esperança e a caridade estão intimamente unidas, e ambas repousam em Deus. Então, cada ato de esperança pode abrir as portas à contemplação porque tal esperança traz a sua própria plenitude.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 17
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 30-31
Reflexão da semana de 25-10-2006

Um pensamento para recordar: “Um homem humilde pode fazer grandes coisas com uma perfeição incomum porque ele já não se preocupa com questões secundárias, tais como seus próprios interesses e sua própria reputação e assim, não precisa consumir suas forças para defendê-las.”
Seeds, de Thomas Merton

18 setembro 2006

Oração: liberdade brotando do nada

“ Para entender corretamente a oração temos de considerá-la nesse encontro com nossa liberdade, emergindo dos abismos de nosso nada e de nosso subdesenvolvimento, ao chamado de Deus. Oração é liberdade e afirmação brotando do nada, transformando-se em amor. Oração é o florescer de nossa mais íntima liberdade, em resposta à Palavra de Deus. Oração não é só diálogo com Deus, é a comunhão de nossa liberdade com a ilimitada liberdade de Deus; com Deus espírito infinito. Oração é a elevação de nossa liberdade limitada ao nível da infinita liberdade do espírito e do amor divinos.É, ainda, o encontro de nossa liberdade com a caridade que tudo envolve e não conhece limites nem obstáculos.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.345
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 300-301
Reflexão da semana de 18-09-2006

Um pensamento para recordar: “E é através de nossa porfia com a realidade material, com a natureza, que ajudamos uns aos outros a criar, ao mesmo tempo, nosso próprio destino e um mundo novo para os nossos descendentes.”
Amor e vida, de Thomas Merton

11 setembro 2006

Fantasias morais

“ Torna-se mais e mais difícil avaliar a moralidade de uma ação que leva à guerra porque cada vez mais, fica difícil saber precisamente o que está acontecendo. Não só a guerra é, cada vez mais, assunto para especialistas que manobram com equipamentos fantasticamente complexos, como, acima de tudo, há a questão do segredo absoluto em tudo que possa afetar seriamente a política de defesa. Podemos nos entreter lendo os relatórios na mídia e imaginar que esses ‘fatos’ fornecem subsídios suficientes para um julgamento moral a favor ou contra a guerra. Mas, na realidade, estamos apenas elaborando fantasias morais num vácuo. O que for que decidamos, permaneceremos completamente à mercê do poder governamental, ou melhor dizendo, do poder anônimo de gerentes e generais que atuam por traz da fachada do governo. Não temos meios de diretamente influenciar as decisões e as políticas decididas por esse pessoal. Na prática, temos que ter uma fé cega que se resigna a crer nas ‘autoridades legitimamente constituídas’ sem ter a mais vaga idéia do próximo passo que a autoridade poderá dar. Essa condição de irresponsabilidade e passividade é extremamente perigosa e dificilmente levará a uma legítima moralidade.”

Passion for Peace: The Social Essays of Thomas Merton
Editado porWilliam H. Shannon
(The Crossroad Publishing Company, New York, NY), 1995. p. 113-114

Reflexão da semana de 11-09-2006

Um pensamento para recordar: “Será que o significado de minha vida é aquele que Deus o desejou?”
Cistercian Quarterly Review #18 (1983)

04 setembro 2006

Tranqüilidade, descanso e calma alegria

“ O homem tem uma necessidade instintiva de harmonia e paz, ordem e sentido. Nenhuma dessas parecem ser características evidentes da sociedade moderna. Um livro escrito num mosteiro, onde as tradições e os ritos de uma era mais contemplativa permanecem vivos e continuam sendo praticados, talvez possa relembrar aos homens que existiu, uma vez, um modo de vida mais vagaroso e mais espiritual – e que este era o modo de seus ancestrais. Assim, mesmo no confuso estilo de vida do Ocidente está tecida uma certa memória da contemplação. É uma lembrança tão vaga e tão remota que mal pode ser compreendida e, contudo, pode, despertar a esperança de se recuperar a paz interior. Nessa esperança, o homem moderno pode, talvez, esperar por um momento o sonho de uma vida contemplativa e de um estado espiritual mais elevado de tranqüilidade, descanso e de calma alegria.”

Introductions East & West: The Foreign Prefaces of Thomas Merton
Editado por Robert E. Daggy
(Unicorn Press Inc., Greesboro, NC), 1981, p. 65
Reflexão da semana de 04-09-2006

Um pensamento para recordar: “A felicidade consiste em encontrar precisamente o que poderia ser “aquela coisa necessária” em nossas vidas e, alegremente, renunciar a todo o resto.”
Homem algum é uma ilha, de Thomas Merton

28 agosto 2006

Nos caminhos da oração

“ Não fique ansioso em relação ao seu progresso nos caminhos da oração, pois você saiu das trilhas batidas e está percorrendo sendas que não podem ser mapeadas nem medidas. Portanto, deixe Deus cuidar do seu grau de santidade e contemplação. Se você mesmo tentar medir o seu próprio progresso, perderá tempo em uma introspecção fútil. Procure apenas uma coisa: purificar cada vez mais o seu amor a Deus, entregar-se cada vez mais perfeitamente à Sua vontade e amá-Lo de maneira cada vez mais exclusiva e completa, mas também de forma mais simples e pacífica e com uma confiança mais total e sem meios termos.”

What is Contemplation?, deThomas Merton
(Springfield, Illinois: Templegate Publishers) 1950. p. 64-65

Reflexão da semana de 28-08-2006

Um pensamento para recordar: “Não se descobre o ‘mundo’ real apenas medindo e observando o que está fora de nós, mas descobrindo o nosso próprio chão interior. ”
Contemplação num mundo de ação, de Thomas Merton

21 agosto 2006

Um mundo melhor sem Deus?

“ Quem procura construir um mundo melhor sem Deus, confiando no dinheiro, no poder, na tecnologia e na organização, menospreza a força espiritual da fé e do amor e coloca todas as suas esperanças em uma grande sociedade monolítica, em ter o monopólio do poder, da produção e até mesmo da mente de seus membros. Mas alienar o espírito do homem, sujeitando-o a tão monstruosa indignidade, é tornar inevitáveis a injustiça e a violência. Por esses meios poderemos, é verdade, aumentar a produção econômica; todavia, ao fazê-lo, estaremos apenas piorando a situação do mundo.”

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1960. p. 129
No Brasil: Questões abertas, (AGIR, Rio de Janeiro), 1963. p. 148
Reflexão da semana de 21-08-2006

Um pensamento para recordar: “Talvez bastasse dar-me conta de que não admiro o que todos parecem admirar para eu realmente começar a viver.”
Homem algum é uma ilha, de Thomas Merton

14 agosto 2006

A alma humana e a imagem de Deus

“ A alma humana continua sendo a imagem de Deus. Por mais que se afaste Dele em direção às regiões da irrealidade, nunca se torna tão completamente irreal que deixe de sentir o tormento de seu destino original e a necessidade de voltar para si mesma em Deus, fazendo-se outra vez real.”

The New Man de Thomas Merton
(Farrar, Straus, and Giroux, NY) 1961 p. 112
No Brasil: O Homem Novo (AGIR, Rio de Janeiro), 1966, p. 91
Reflexão da semana de 14-08-2006

Um pensamento para recordar: “O profundo mistério do meu ser freqüentemente me é oculto pelo conceito que faço de mim mesmo.”
Homem algum é uma ilha, de Thomas Merton

07 agosto 2006

A Providência é mais sábia

“ Você precisa perceber que é assim que Deus costuma lidar conosco, que nossas idéias não funcionam nem tão rápida nem tão eficientemente como gostaríamos. As razões para isto são, não apenas a sabedoria amorosa de Deus, como também o fato de que os nossos atos têm de encaixar-se em um grande e complexo modelo que escapa absolutamente à nossa compreensão. Com os anos, aprendi que a Providência é sempre muitíssimo mais sábia do que qualquer um de nós, e que sempre há, não só boas razões, mas sim, as melhores razões possíveis para as demoras e bloqueios que muitas vezes nos parecem tão frustrantes e absurdos.”

"The Hidden Ground of Love" Letters, de Thomas Merton
Editado por William Shannon
(Ferrar, Straus, Giroux Publishers, New York ), 1985. p. 591
Reflexão da semana de 07-08-2006

Um pensamento para recordar: “Devemos nos dar por satisfeitos por viver sem ter que nos observar vivendo…”
Homem algum é uma ilha, de Thomas Merton

31 julho 2006

Deus em nós

“ Para encontrarmos Deus em nós, temos de parar de olhar para nós mesmos, de nos inspecionar e verificar no espelho da nossa futilidade; devemos contentar-nos em ser em Deus e de fazer o que Ele quiser, conforme as nossas limitações, julgando os nossos atos não à luz das nossas ilusões, mas à luz da Sua realidade que nos cerca nas coisas e pessoas com quem vivemos.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 120
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 111
Reflexão da semana de 31-07-2006

Um pensamento para recordar: “Não existimos só para nós mesmos…”
Homem algum é uma ilha, de Thomas Merton

24 julho 2006

Humildade e vida espiritual

“ É quase impossível superestimar o valor da verdadeira humildade e de seu poder na vida espiritual. Pois o primeiro passo na humildade é o primeiro passo no caminho da bem-aventurança, e a consumação da humildade é a perfeição e plenitude da alegria. A humildade contém em si a resposta a todos os grandes problemas da vida da alma. A humildade é a única chave que dá acesso à fé, início da vida espiritual, pois fé e humildade são inseparáveis. Na perfeita humildade desaparece todo egoísmo e a alma não vive mais para si nem em si mesma mas para Deus; na humildade a alma se perde de vista, mergulha em Deus e é nele transformada.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 181
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 179-180
Reflexão da semana de 24-07-2006

Um pensamento para recordar: “…a porta do céu está em todos os lugares”.
Reflexões de um espectador culpado, deThomas Merton

17 julho 2006

Nascer de novo

“ Há em nós um impulso que nos leva à novidade, à renovação, à liberação do poder criativo. Procuramos despertar em nós mesmos uma força que realmente mude nossas vidas de dentro para fora. Contudo, o mesmo instinto diz-nos que essa mudança é a recuperação do que temos de mais profundo, mais original, mais pessoal. Nascer de novo não é tornar-se outra pessoa, e sim tornar-nos nós mesmos.”

"Christian Humanism" in Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1979. p. 196
No Brasil: "O humanismo cristão" in Amor e Vida, (Martins Fontes Ed., São Paulo), 2004. p. 206
Reflexão da semana de 17-07-2006

10 julho 2006

Aprender quem somos

“ A vida consiste em aprender a viver de maneira autônoma, espontânea e livremente: para isso é preciso reconhecer-se a si mesmo – estar familiarizado e à vontade consigo mesmo. Isso significa, basicamente, aprender quem somos e aprender o que temos para oferecer ao mundo contemporâneo e, depois, aprender como fazer para que essa oferta seja válida.

A finalidade da educação é mostrar a uma pessoa como se definir autêntica e espontaneamente em relação ao seu mundo – não é impor uma definição pré-fabricada do mundo e, menos ainda, uma definição arbitrária do próprio indivíduo. O mundo é feito de pessoas que estão plenamente vivas dentro dele: isto é, de pessoas que podem ser elas mesmas nele e podem nele estabelecer umas com as outras uma relação viva e frutífera. O mundo, portanto, é mais real na proporção em que as pessoas nele são capazes de ser mais plenamente e mais humanamente vivas: isto é, mais capazes de fazer um uso consciente e lúcido de sua liberdade. Basicamente, essa liberdade deve consistir, antes de tudo, na capacidade de escolherem suas próprias vidas, de se encontrarem no nível mais profundo possível. Uma liberdade superficial de vagar sem destino, ora aqui, ora ali, de experimentar isto e aquilo, de fazer uma escolha de distrações (…) é simplesmente um simulacro. Pretende ser uma liberdade de “escolha” ao passo que se esquiva da tarefa básica de descobrir quem é que escolhe. Não é livre porque não está querendo enfrentar o risco da autodescoberta.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 3-4
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 3-4
Reflexão da semana de 10-07-2006

03 julho 2006

Liberdade de escolha

“ A liberdade de escolha, em si, não é a perfeição da liberdade, mas nos ajuda a dar os primeiros passos em direção à liberdade ou escravidão, espontaneidade ou compulsão. A pessoa livre é aquela cujas escolhas deram-lhe o poder de andar com os próprios pés e determinar a própria vida de acordo com a luz e o espírito mais elevados que tem em si. O escravo, na ordem espiritual, é a pessoa cujas escolhas destruíram toda sua espontaneidade e a entregaram, de pés e mãos amarradas, às suas próprias compulsões, idiossincrasias e ilusões, de forma que nunca faz o que realmente quer fazer, mas apenas o que tem de fazer.”

The New Man de Thomas Merton
(Farrar, Straus, and Giroux, NY) 1961 p. 178-79

No Brasil: O Homem Novo (AGIR, Rio de Janeiro), 1966, p. 138
Reflexão da semana de 3-07-2006

26 junho 2006

Algo melhor do que a política

“ É verdade, os problemas políticos não são resolvidos apenas com amor e misericórdia. Mas o mundo da política não é o único mundo, e as decisões políticas só poderão fazer um bem real ao ser humano se forem baseadas em algo melhor e mais elevado do que a política. Quando um país tem de ser reconstruído após uma guerra, as paixões e energias da guerra não bastam mais. É preciso uma nova força: o poder do amor, o poder da compreensão e da compaixão humana, a força da generosidade e da cooperação, assim como o dinamismo criativo da disposição de viver e de construir, e a disposição de perdoar. A vontade de se reconciliar.”

Introductions East & West. The Foreign Prefaces of Thomas Merton
(Unicorn Press, Inc. Greensboro, NC), 1981 p.105
Reflexão da semana de 26-06-2006

19 junho 2006

Um tempo compassivo

“ A vida contemplativa deve oferecer uma área, um espaço de liberdade, de silêncio possam vir à tona e novas escolhas – além daquelas habituais – possam se manifestar. Ela deve criar uma nova consciência de tempo, não no sentido de uma substituição da imobilidade mas como um temps vierge*. Não como um vazio a preencher ou um espaço intocado a conquistar e violar, mas um espaço onde se possa usufruir das próprias potencialidades e anseios e da presença de si mesmo. O tempo da pessoa. Não porém ocupado pelo próprio ego com suas exigências, mas aberto aos outros – um tempo compassivo, tendo ao fundo a consciência da ilusão comum e a crítica desta.”

(*) “Temps vierge” – em francês no original – literalmente, “tempo virgem”, cf. em Conjecturas de um expectador culpado. Merton usou o termo para descrever “os primeiros chilreios dos pássaros despertando” na madrugada, junto ao mosteiro em Kentucky. “Começam a falar com Ele, não com um canto fluente, mas com uma pergunta que desperta e é seu estado-madrugada, seu estado no “ponto virgem”. A condição deles indaga se é tempo de “ser” para eles. E Ele responde “sim”. Então, um por um, eles despertam e tornam-se pássaros.”
The Asian Journal of Thomas Merton
(New Directions Publishing Corp. New York), 1975 p. 117, 177.
No Brasil: O Diário da Ásia de Thomas Merton, (Ed. Vega, Belo Horizonte), 1978, p.89 e 136.

Reflexão da semana de 19-06-2006

12 junho 2006

A guerra contra a guerra

“ As orações e sacrifícios devem ser usados como as armas espirituais mais eficazes na guerra contra a guerra e, como todas as armas, devem ser usados com um objetivo determinado, não apenas com a vaga aspiração à paz e segurança, mas contra a violência e contra a guerra. Isto também implica que estejamos dispostos a sacrificar e conter nossos próprios instintos de violência e agressividade em nossas relações com as outras pessoas. Podemos nunca ter sucesso nessa campanha, mas, quer o tenhamos quer não, o dever é evidente. Trata-se da grande tarefa cristã do nosso tempo: tudo o mais é secundário, pois a própria sobrevivência da espécie humana depende dela. Devemos ao menos assumir a responsabilidade e fazer algo a esse respeito. E a primeira de todas as medidas a serem tomadas é entender as forças psicológicas que atuam em nós e na sociedade.”

Seeds, editado por Robert Inchausti
(Shambhala Publications: Boston & London), 2002. p. 132
Publicado originalmente in The Root of War deThomas Merton
(The Catholic Worker #2, Oct. 1961)

Reflexão da semana de 12-06-2006

05 junho 2006

Um só corpo

“ Somente quando nos vemos no nosso verdadeiro contexto humano, como membros de uma espécie destinada a ser um só organismo e “um só corpo”, é que começamos a compreender a positiva importância não apenas dos sucessos, mas também dos fracassos e acidentes da nossa vida. As minhas vitórias não me pertencem exclusivamente. Seu caminho foi preparado por outros. O fruto dos meus trabalhos não é só meu, pois estou preparando o caminho para as realizações dos que hão de vir. Também não pertencem apenas a mim as minhas falhas. Podem vir da falta alheia, mas também são compensadas pelo que outros realizam. Por conseguinte, o sentido da minha vida não deve ser buscado apenas na soma das minhas realizações. Só pode ser visto na integração completa das minhas vitórias e falhas nas vitórias e falhas da minha geração, da minha sociedade e do meu tempo.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. xxii
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 17
Reflexão da semana de 5-06-2006

29 maio 2006

Essa única coisa necessária

“ Um dos principais obstáculos a essa perfeição de caridade generosa é a ansiedade egoísta de tirar o máximo de cada coisa, de ter um brilhante êxito aos nossos olhos e aos dos outros. Só podemos livrar-nos dessa ansiedade se aceitarmos perder algo em quase tudo o que fizermos. Não podemos dominar tudo, provar tudo, compreender tudo, esgotar totalmente cada experiência. Mas, se tivermos a coragem de abrir mão de quase tudo, provavelmente conseguiremos reter o único necessário – seja ele qual for. Se formos por demais ávidos de ter tudo, quase com certeza perderemos até a única coisa que necessitamos.

A felicidade consiste em descobrir precisamente o que pode ser essa ‘única coisa necessária’ em nossas vidas e renunciar alegremente a todo o resto. Pois então, por um divino paradoxo, constatamos que tudo o mais nos é dado junto com a coisa única de que precisamos.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 130
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 119
Reflexão da semana de 29-05-2006

22 maio 2006

Um amor que nos transforma

“ Mas, para amar alguém como pessoa, temos de começar por conceder-lhe autonomia e identidade próprias como pessoa. Temos de amá-lo por causa daquilo que ele é em si mesmo e não por causa do que ele é para nós. Havemos de amá-lo para o seu próprio bem, não pelo bem que dele retiramos. Ora, isso é impossível se não formos capazes de um amor que nos ‘transforma’, por assim dizer, no outro, tornando-nos capazes de ver as coisas como ele as vê, de amar o que ele ama, de experimentar as mais profundas realidades de sua vida como se fossem nossas. Sem sacrifício, tal transformação não é possível. Entretanto, se não somos capazes dessa espécie de transformação ‘no outro’ enquanto permanecermos nós mesmos, não estamos ainda aptos para uma existência plenamente humana.”

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1960. p. 104
No Brasil: Questões abertas, (AGIR, Rio de Janeiro), 1963. p. 121
Reflexão da semana de 22-05-2006

15 maio 2006

Viver nossa própria vida

“ Se queremos, pois, ser espirituais, vamos em primeiro lugar viver nossa própria vida. Não tenhamos medo das responsabilidades e inevitáveis distrações inerentes à tarefa a nós confiada pela vontade de Deus. Abracemos a realidade; assim nos encontraremos imersos na vontade vivificadora e na sabedoria de Deus, que por toda a parte nos envolve.”

Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958. p. 46-47
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 39
Reflexão da semana de 15-05-2006

08 maio 2006

O mal cometido “para o bem comum”...

“ Existem crimes que ninguém consentiria em cometer como indivíduo, e que o homem comete de bom grado e com audácia quando age em nome da sociedade a que pertence, porque foi (com demasiada facilidade) convencido de que o mal é totalmente diferente quando cometido “para o bem comum”. Como exemplo, poderíamos apontar o fato de o ódio e até a perseguição racista serem admitidos por pessoas que se consideram, e talvez em certo sentido o sejam, boas, tolerantes, civilizadas e até humanas. No entanto, essas pessoas adquiriram uma peculiar deformidade de consciência como resultado de sua identificação com o grupo e sua imersão na sociedade de que fazem parte. Essa deformação é o preço que pagam para poderem esquecer-se da solidão que lhes parece um demônio e poder exorcizá-la.”

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1960. p. 183
No Brasil: Questões abertas, (AGIR, Rio de Janeiro), 1963. p. 205

Reflexão da semana de 8-05-2006

07 maio 2006

The Thomas Merton Center


Fachada da biblioteca da Universidade onde está localizado o Centro.

O The Thomas Merton Center é o local oficial de arquivo da herança literária e artística de Merton, incluindo mais mil e trezentas fotografias, novecentos desenhos em adição aos seus escritos. O centro abriga mais de cinquenta mil ítens de materiais relacionados a Merton.

Em 1967, um ano antes de sua morte, Merton criou o Merton Legacy Trust, e nomeou o Bellarmine College como o repositório de seus manuscritos, cartas, diários, fitas de áudio, desenhos, fotografias e memorabilia. Dois anos depois, em outubro de 1969 a faculdade fundou o Thomas Merton Center, tendo a Coleção como seu ponto focal.

O Centro funciona como um recurso regional, nacional e internacional para estudos acadêmicos e consultas sobre Merton e suas obras e também sobre as idéias que ele promoveu: a vida contemplativa, espiritualidade, ecumenismo, relações com o Leste europeu, paz e justiça social. O Centro patrocina regularmente cursos, conferências, retiros, seminários e exposições para estudiosos, alunos e para o público em geral.

O Thomas Merton Center está localizado no segundo andar da biblioteca principal (W.L. Lyons Brown Library) do campus da Bellarmine University. Fica aberto das 8 às 17 horas nos dias da semana. Mediante consulta podem ser organizadas visitas de grupos no período da noite e nos sábados.A Universidade também possibilita a hospedagem de um pequeno número de visitantes pesquisadores em acomodações de estudantes.


Salão de leitura do Centro


Saiba mais sobre o Thomas Merton Center clicando no link correspondente na seção "Favorites", ao lado.

01 maio 2006

Uma mistura de bem e mal

“ Há muito a dizer a favor e contra as ilusões e ficções incentivadas pelo desejo de auto-afirmação de certos grupos restritos. Na prática, eles de fato libertam o homem de suas limitações individuais e o ajudam, em certa medida, a transcender a si mesmo. E, se todas as sociedades fossem ideais, cada uma delas ajudaria seus membros a realizarem apenas uma auto-transcendência fecunda e produtiva. Mas, na verdade, as sociedades tendem a erguer o homem acima de si mesmo só na medida exata para torná-lo um instrumento útil e submisso em quem as aspirações, concupiscências e necessidades do grupo possam funcionar sem o empecilho de uma consciência pessoal delicada demais. A vida social tende a formar e educar as pessoas, mas geralmente à custa de deformação e perversão simultâneas. Isto porque a sociedade civil nunca é ideal, mas sempre uma mistura de bem e mal, e sempre tende a apresentar o mal em si mesma como uma forma de bem.”

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1960. p. 182-183
No Brasil: Questões abertas, (AGIR, Rio de Janeiro), 1963. p. 204-205
Reflexão da semana de 1-05-2006

24 abril 2006

Na serenidade do nosso próprio ser

“ É inútil tentar fazer as pazes conosco mesmos comprazendo-nos com tudo o que já fizemos. Para sossegar na serenidade do nosso próprio ser, precisamos aprender a desapegar-nos dos resultados de nossa própria atividade. Precisamos tomar distância, até certo ponto, dos efeitos que estão fora do alcance do nosso controle e contentar-nos com a boa vontade e o trabalho que são a silenciosa expressão da nossa vida interior. Precisamos aceitar viver sem observar-nos vivendo, trabalhar sem esperar uma recompensa imediata, amar sem satisfação instantânea e existir sem reconhecimento especial algum.”

No Man is an Island de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 121.

No Brasil: Homem algum é uma ilha (Verus Editora, Campinas) 2003. p. 112
Reflexão da semana de 24-04-2006

17 abril 2006

A paz consigo mesmo

“ Em primeiro lugar, todo homem procura a paz consigo mesmo. É preciso, pois não achamos naturalmente descanso em nós mesmos. Antes de poder comunicar-nos com os outros e com Deus, temos de aprender a comunicar-nos conosco. Quem não está em paz consigo, necessariamente projeta sua luta interior nas pessoas com quem vive e contamina seu ambiente com conflito. Nem quando se esforça consegue fazer o bem, pois não sabe fazer o bem a si mesmo. Nos momentos de mais idealismo, pode decidir fazer outros felizes: assim, os oprimirá com sua própria infelicidade. Procura encontrar-se a si mesmo no trabalho de fazer os outros felizes. Por conseguinte, lança-se a esse trabalho. Mas só tira daí o que aí coloca: sua confusão, sua desintegração, sua própria infelicidade.”

No Man is an Island de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 120-21.
No Brasil: Homem algum é uma ilha (Verus Editora, Campinas) 2003. p. 111-112
Reflexão da semana de 17-04-2006

10 abril 2006

A realidade que nos une

“ Pessoas que nada sabem de Deus e cujas vidas estão concentradas em si mesmas imaginam só poder encontrar-se afirmando seus próprios desejos, ambições e apetites numa luta com o resto da humanidade. Tentam tornar-se reais impondo-se aos demais, apropriando-se de uma parte da limitada quantidade de bens criados, realçando assim a diferença entre si e os outros homens que possuem menos do que eles, ou mesmo, nada.

Só podem conceber um modo de se tornarem reais: separando-se dos outros e construindo uma barreira de contrastes e distinções entre si e os outros. Não sabem que a realidade deve ser procurada não no que divide e sim no que une, pois somos 'membros uns dos outros'.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 47
No Brasil: Novas sementes de contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 55
Reflexão da semana de 10-04-2006

03 abril 2006

Idéias erradas sobre a contemplação

“ A única maneira de nos libertarmos das idéias erradas sobre a contemplação é a experiência. Alguém que ignore, concretamente, em sua vida, a natureza dessa libertação e desse despertar para um novo plano de realidade, não pode deixar de ser enganado por grande parte do que ouve dizer sobre a contemplação. Pois a contemplação não é para ser ensinada nem mesmo para ser explicada com clareza. Só é possível insinuá-la, sugeri-la, apontá-la, simbolizá-la. Quanto mais objetiva e cientificamente procuramos analisá-la, tanto mais a esvaziamos de seu conteúdo real, pois essa experiência se encontra num plano que ultrapassa a verbalização e os raciocínios.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 6
No Brasil: Novas sementes de contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 15
Reflexão da semana de 03-04-2006

27 março 2006

A ideologia política americana

“ Parece-me que as políticas que se contentam em criar uma ‘imagem’ dos Estados Unidos como benevolentes e amantes da paz não têm serventia, porque lhes falta a profundidade e a motivação séria que são absolutamente necessárias para agir de forma construtiva em uma crise mundial. Ao enfrentar a difícil tarefa de ‘assumir a liderança mundial’ em um mundo do qual preferiram permanecer tradicionalmente isolados, os Estados Unidos parecem ter reagido com uma atitude de pânico e truculência adolescentes. A hostilidade, a impopularidade e uma crítica totalmente impiedosa constituíram um teste sério para a ideologia política americana.

Diante do desdém altivo de amigos, assim como do ódio de nossos inimigos confessos, e perguntando-nos o que há em nós para ser odiado, pensamos sobre nós mesmos e concluímos que somos pessoas bastante decentes, inofensivas e fáceis de se lidar, que só querem ser deixadas em paz para ganhar dinheiro e se divertir. A pedra angular de nosso otimismo reconhecidamente nebuloso é que, se todos fossem deixados em paz para cuidar de seus próprios interesses, as leis da economia cuidariam benignamente das necessidades de todos, e todos os que não fossem preguiçosos poderiam enriquecer. Mas esta filosofia de vida é questionada e, por isto, nós também somos forçados a examinar nossas crenças. E, quando as examinamos, descobrimos que não estamos tão seguros de quais são elas. Tendemos a funcionar com base em sentimentos de boa vontade ou civilização, mais do que em convicções com alicerces profundos.”

Peace in the Post-Christian Era de Thomas Merton
(Orbis Books: Maryknoll, New York), 2004, p.18

Reflexão da semana de 27 de março de 2006

20 março 2006

Sem nada para dizer

“ Na sociedade tecnológica, na qual os meios de comunicação e significação tornaram-se fabulosamente versáteis e estão à beira de um desenvolvimento ainda mais prolífico - graças ao computador com sua memória inesgotável e sua capacidade de absorção imediata e organização dos fatos -, a natureza mesma e o uso da própria comunicação tornam-se inconscientemente simbólicos. Embora agora tenha a capacidade de comunicar instantaneamente qualquer coisa em qualquer lugar, o homem se descobre sem nada para dizer. Não é que não haja muitas coisas que poderia comunicar, ou deveria tentar comunicar. Ele deveria, por exemplo, ser capaz de encontrar-se com o seu semelhante e debater os meios de construir um mundo pacífico. É incapaz desse tipo de confronto. Em vez disso, dispõe de mísseis balísticos intercontinentais que podem levar a morte nuclear a dezenas de milhões de pessoas em poucos instantes. Esta é a mensagem mais sofisticada que o homem moderno parece ter para transmitir ao seu semelhante. Ela é, claro, uma mensagem sobre ele mesmo, sua alienação de si e sua incapacidade de entrar em acordo com a vida.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 64-65
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 69
Reflexão da semana de 20-03-2006

13 março 2006

Nós somos o mundo

“ Temos de começar por admitir, francamente, que o primeiro lugar para procurar o mundo não é fora de nós, mas dentro de nós mesmos. Nós somos o mundo. No mais profundo de nosso ser, permanecemos em contato metafísico com toda a a criação da qual somos apenas pequenas partes. Por meio de nossos sentidos e de nossas mentes, de nossos amores, necessidades e desejos, estamos envolvidos, sem possibilidade de evasão, neste mundo de matéria e de homens, de coisas e pessoas, que não só nos afetam e mudam nossas vidas, mas também são afetados e transformados por nós. No momento em que nos sentamos à mesa e colocamos um pedaço de pão na boca, vemos que estamos no mundo e só podemos estar nele até o dia em que morrermos. A questão, portanto, não é especular sobre como entrar em contato com o mundo — como se estivéssemos de alguma forma no espaço sideral —, mas como validar nosso relacionamento, dar-lhe um significado plenamente justo e humano, e torná-lo realmente produtivo e de valor para o nosso mundo.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 120
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 127
Reflexão da semana de 13-03-2006

06 março 2006

Nas profundezas do coração

“ Que ninguém espere encontrar na contemplação uma fuga ao conflito, à angústia ou à dúvida. Ao contrário, a certeza profunda, inexprimível, da experiência contemplativa desperta uma trágica angústia e suscita muitas perguntas nas profundezas do coração, como feridas que não cessam de sangrar. A cada avanço na certeza profunda corresponde um aumento de ‘dúvida’ superficial. Essa dúvida não é oposta, de modo algum, à fé autêntica, mas examina sem concessões e questiona a ‘fé’ espúria do cotidiano, a fé humana que não é senão a aceitação passiva da opinião convencional.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 12
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 20
Reflexão da semana de 6-03-2006

27 fevereiro 2006

O sentido da vida revelado no amor

“ O amor é o nosso verdadeiro destino. Não encontramos o sentido da vida sozinhos, e sim com outro. Não descobrimos o segredo de nossas vidas apenas por meio de estudo e de cálculo em nossas meditações isoladas. O sentido de nossa vida é um segredo que nos tem de ser revelado no amor, por aquele que amamos. E, se esse amor for irreal, o segredo não será encontrado, o sentido jamais se revelará, a mensagem jamais será decodificada. No melhor dos casos, receberemos uma mensagem embaralhada e parcial, que nos enganará e confundirá. Só seremos plenamente reais quando nos permitir-nos amar — seja uma pessoa humana ou Deus.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 27

No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 28
Reflexão da semana de 27-02-2006

20 fevereiro 2006

Operar a nossa salvação

“ Nossa vocação não consiste simplesmente em ser, e sim em trabalhar em união com Deus na criação de nossa própria vida, nossa identidade, nosso destino. Somos seres livres e filhos de Deus. Quer isso dizer que não temos de existir passivamente, mas devemos participar ativamente da liberdade criadora de Deus em nossa vida e na vida dos outros, escolhendo a verdade. Falando com maior nitidez, diremos que somos até chamados a participar da ação criadora de Deus, criando a verdade de nossa identidade. Podemos fugir a essa responsabilidade, brincando com máscaras — e isso nos agrada, porque às vezes pode dar a impressão de ser um modo de viver livre e construtivo. É muito fácil, parece, agradar a todos. Mas, com o correr do tempo, o custo e a dor resultam muito grandes. A tarefa de encontrar a nossa própria identidade em Deus, que em linguagem bíblica é “operar a nossa salvação”, é um trabalho que requer sacrifício e angústia, risco e muitas lágrimas. Exige atenção rigorosa à realidade, a cada instante, e grande fidelidade a Deus, tal como ele se revela a nós, obscuramente, no mistério de cada nova situação.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 32
No Brasil: Novas sementes de contemplação (Editora Fissus, Rio de Janeiro). 2001. p. 40
Reflexão da semana de 20-02-2006

13 fevereiro 2006

Meu coração diz sim

“ A heresia do individualismo: crer-se uma unidade inteiramente auto-suficiente e afirmar essa “unidade” imaginária contra todos os demais. Mas quando procuramos afirmar nossa unidade negando haver qualquer relação seja com quem for rejeitando a todos no universo até chegarmos a nós mesmos, o que resta para ser afirmado? Mesmo se houvesse algo para ser afirmado, não nos restaria mais fôlego para afirmá-lo.

O verdadeiro caminho é justamente o oposto: quanto mais sou capaz de afirmar os outros, de dizer-lhes “sim” em mim mesmo, descobrindo-os em mim e a mim mesmo neles, tanto mais real eu sou. Sou plenamente real se meu coração diz sim a todos.”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Doubleday, New York), 1966. p. 143-144

No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 166
Reflexão da semana de 13-02-2006

06 fevereiro 2006

Silêncio criativo

“ Há um eu silencioso dentro de nós cuja presença é perturbadora precisamente por ele ser tão silencioso: não pode ser falado. Tem de permanecer silencioso. Articulá-lo, verbalizá-lo, é adulterá-lo e, de certa forma, destruí-lo.

Agora enfrentemos francamente o fato de que a nossa cultura está direcionada, de muitas maneiras, para ajudar-nos a escapar de qualquer necessidade de enfrentar esse eu interior, silencioso. Vivemos em um estado de constante semi-atenção ao som de vozes, música, tráfego ou ao ruído generalizado do que acontece ao nosso redor o tempo todo. Assim ficamos imersos em um dilúvio de barulho e palavras, um meio difuso em que nossa consciência quase se dilui: não estamos realmente “pensando”, não reagimos de todo: estamos mais ou menos ali. Não estamos totalmente presentes, nem inteiramente ausentes; não totalmente ausentes, e, contudo, não completamente disponíveis. Não se pode dizer que participemos realmente de nada, e, de fato, podemos ser meio conscientes de nossa alienação e ressentimento. No entanto, tiremos uma certa comodidade da vaga sensação de fazermos “parte” de algo – embora não consigamos definir ao certo o que é esse algo – e provavelmente não queiramos defini-lo nem se isto nos for possível. Apenas nos deixamos flutuar no barulho geral. Resignados e indiferentes, participamos semiconscientemente da mente ausente da música de sala de espera e comerciais de rádio que são apresentadas como ‘realidade’.”


Thomas Merton: Essential Writings
Seleção e apresentação de Christine M. Bochen
(Orbis Books, Maryknoll, New York), 2000, p. 74-75
Publicado originalmente in Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart,OCSO
(Farrar, Straus & Giroux, New York), 1979, p. 38-43
No Brasil: Amor e Vida, de Thomas Merton
(Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004, p. 40-48
Reflexão da semana de 7-02-2006

31 janeiro 2006

Livre por natureza


“ No último dia de janeiro de 1915, no signo de Aquário, num ano de grande guerra, debaixo das sombras de certas montanhas francesas na fronteira com a Espanha, nasci para o mundo. Livre por natureza, à imagem de Deus, era no entanto prisioneiro da minha própria violência e do meu próprio egoísmo, à imagem do mundo em que nasci. (…)
Meu pai pintava como Cézanne e captava a paisagem do sul da França como a captava Cézanne. (…) Meu pai era um ótimo artista.”
(…)
Eu herdei de meu pai seu modo de ver as coisas e um pouco de sua integridade, de minha mãe herdei o descontentamento pelas enrascadas em que o mundo se meteu e um pouco de sua versatilidade. Recebi de ambos a capacidade de trabalhar, visão, prazer e expressão que poderiam ter feito de mim uma espécie de rei, se os padrões de que vivia o mundo fossem legítimos.”

30 janeiro 2006

A ficção chamada “inimigo”

“ Aprendi que uma época em que os políticos falam sobre paz é uma época em que todos esperam guerra: os grandes homens da terra não falariam tanto de paz se não acreditassem secretamente que, com mais uma guerra, aniquilariam seus inimigos para sempre. Sempre, "após só mais uma guerra", raiará a nova era do amor: mas primeiro todos os que são odiados devem ser eliminados. Pois o ódio, entendem, é a mãe do que eles chamam de amor.

Infelizmente, o amor que deveria nascer do ódio nunca nascerá. O ódio é estéril; não gera nada além da imagem de sua própria fúria vazia, de seu próprio nada. O amor não pode vir do vazio. Ele é cheio de realidade. O ódio destrói o verdadeiro ser do homem ao lutar contra a ficção que ele chama de "o inimigo". Pois o homem é concreto e vivo, mas "o inimigo" é uma abstração subjetiva. Uma sociedade que mata homens reais para livrar-se do fantasma de uma ilusão paranóide já está possuída pelo demônio da destrutividade, porque se tornou incapaz de amor. Recusa-se, a priori, a amar. Não se dedica a relações concretas entre pessoas, mas apenas a abstrações a respeito de política, economia, psicologia, e até, às vezes, religião.”

The Collected Poems of Thomas Merton
(New Directions, New York), 1977. p. 374-75
Reflexão da semana de 30-01-2006

23 janeiro 2006

Seguindo nossa vocação

“ Sabemos que seguimos nossa vocação quando a nossa alma se vê livre de toda a preocupação consigo mesma e é capaz de procurar a Deus até encontrá-lo, embora possa parecer que não o acha. Gratidão, confiança e liberdade interior, eis os sinais de que achamos a nossa vocação e vivemos de conformidade com ela, ainda que o resto possa parecer que falhou. Isso nos dá a paz em qualquer sofrimento e nos ensina a rir do desespero. E podemos ter ocasião para tanto.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1955. p. 140
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p.127
Reflexão da semana de 23-01-2006

16 janeiro 2006

A salvação da sociedade!

“ Se a salvação da sociedade depende, a longo prazo, da saúde moral e espiritual dos indivíduos, o tema da contemplação passa a ser importantíssimo, pois a contemplação é um dos indicadores da maturidade espiritual. Está estreitamente ligada à santidade. Não se pode salvar o mundo apenas com um sistema. Não se pode ter paz sem caridade. Não se pode ter ordem social sem santos, místicos e profetas.”

A Thomas Merton Reader, editado por Thomas P. McDonnell
(Image Books, A Division of Doubleday @ Company, Inc. Garden City, NY), 1974. p. 375
Reflexão da semana de 16-01-2006

09 janeiro 2006

Aceitação

“ Devemos tentar nos aceitar, de modo individual ou coletivo, não só como perfeitamente bons ou perfeitamente maus, mas sim como uma misteriosa e indescritível mistura de bem e de mal. Temos que nos sustentar com o pouco de bem que abrigarmos em nós, sem exageros. Temos que defender nossos legítimos direitos, porque, se não respeitarmos nossos direitos, com toda certeza também não respeitaremos os direitos dos outros. Mas, ao mesmo tempo, temos de reconhecer que, deliberadamente ou não, violamos direitos de outros. Temos que ser capazes de admitir isso tanto como resultado de um auto-exame, mas também quando inesperadamente alertado por outros, talvez de forma não muito suave.”

A Thomas Merton Reader, editado por Thomas P. McDonnell
(Image Books, A Division of Doubleday @ Company, Inc. Garden City, NY), 1974. p. 315
Reflexão da semana de 9-01-2006

02 janeiro 2006

O poder do amor

“ O que nos é pedido é apenas uma coisa: amar; e, se algo pode consegui-lo, é certamente esse amor que há de tornar, tanto a nós quanto o próximo, dignos.

De fato, isso é uma das coisas mais importantes em matéria de amor. Não existe neste mundo outra maneira de tornar alguém digno de amor senão amando-o. Logo que alguém reconhece ser amado – se não é tão fraco que não suporte mais ser amado – sente-se instantaneamente transformado e a caminho de ser digno de amor. Procurará, então, corresponder, extraindo das profundezas do seu ser um misterioso valor espiritual, uma identidade nova, chamada a existir pelo poder do amor que lhe é dedicado.”


Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1960. p. 125
No Brasil: Questões abertas, (AGIR, Rio de Janeiro), 1963. p. 145
Reflexão da semana de 2-01-2006