31 outubro 2016

O conhecimento amoroso de Deus

“A pura fé, aperfeiçoada pelos Dons do Espírito Santo e transfigurada pela caridade, brota nas profundezas da alma e dá-lhe de beber, em segredo, as águas da verdade divina. Essas águas não são meras proposições sobre Deus, mas a própria presença de Deus mesmo. Mas desde o momento em que a nossa contemplação transcende aos claros conceitos, e a inteligência entra nas trevas divinas, o nosso conhecimento de Deus é dominado pelo amor e flui do amor. Isto é tão verdadeiro que muitos Padres da igreja escreveram, como fez o cisterciense Guilherme de S. Thierry, Amor Dei ipsa est notitia: ‘O amor de Deus é o nosso conhecimento Dele’. Conquanto teologicamente vaga, esta proposição carrega uma verdade significativa, a que S. João da Cruz dá muita ênfase, e que recebe de S. Tomás de Aquino uma definição precisa.”
Ascensão para a verdade, Thomas Merton
(Editora Itatiaia, 1999) pág. 200

24 outubro 2016

De Merton a Martin: Uma canção profética

Thomas Merton e Martin Luther King. Em comunhão no Cristo
“Os impulsos profundos e elementares que conduzem a uma transmutação social têm a sua origem no âmago do coração dos homens cujos pensamentos ainda não foram articulados ou ainda não conseguiram ser ouvidos, e cujas exigências, por conseguinte, são ainda ignoradas, suprimidas e tratadas como se não existissem. Nenhuma revolução existe sem uma voz. A paixão dos oprimidos tem de se fazer ouvida, ao menos entre eles próprios, a despeito da insistência do opressor privilegiado ao afirmar que tais exigências não podem ser reais, nem justas, nem urgentes. Quanto mais é ignorado o clamor dos oprimidos, mais se reforça a si próprio com um poder misterioso que lhe é acrescentado pelo mito, pelo símbolo e pela profecia. Não há revolução sem poetas que sejam também videntes. Não há revolução sem canções proféticas.”
Sementes de destruição, Thomas Merton (Ed. Vozes), 1966, pág. 74 

17 outubro 2016

A messe é grande...

Thomas Merton e Catherine de Hueck Doherty, a Baronesa em
torno do centro comum, o Cristo
“Vendo aqueles rapazes e moças na biblioteca, comecei a perceber um pouco do problema do Harlem. Aqui, logo do outro lado da rua, eu vi a solução, a única solução: fé, santidade. E não era preciso ir longe para encontrá-las.

Se a Baronesa, dando seu tempo, deixando as crianças ensaiar peças, oferecendo-lhes algum lugar onde pudessem ao menos ficar fora da rua, fora da passagem dos caminhões, conseguia reunir em torno dela almas como dessas santas mulheres e formar, em sua organização, outras que eram igualmente santas, fossem elas brancas ou de cor, não tinha apenas realizado seu ideal, mas poderia também, pela graça de Deus, transfigurar a face do Harlem. Tinha diante de si várias medidas de farinha e já havia à disposição um pouquinho de fermento. Conhecemos a maneira de Cristo operar. Não importa quão impossível a coisa possa parecer do ponto de vista humano; podemos acordar um dia e constatar que toda a massa está fermentada. Isso pode ser feito com santos!

Quanto a mim, soube logo que era bom estar ali e, por duas ou três semanas, apareci todas as noites; jantava com a pequena comunidade no apartamento e depois recitávamos em inglês as Completas, dispostos em dois coros na sala estreita. Era a única vez que faziam algo que as assemelhava a uma comunidade religiosa, mas nada havia de formalmente litúrgico. Era uma iniciativa totalmente familiar.

Depois disso dedicava-me, por duas ou três horas, à tarefa do que eufemisticamente se chamava ‘tomar conta dos aprendizes’. Eu ficava no armazém, onde era sua sala de jogos, tocava piano mais para mim do que por outra coisa e procurava, por algum tipo de influência moral, manter a paz e prevenir alguma briga mais séria (...). Mas na maior parte do tempo tudo era paz. Jogavam pingue-pongue e monopólio. Para um garotinho eu cheguei a desenhar uma imagem da Santíssima Virgem.”
A montanha dos sete patamares, Thomas Merton (Editora Vozes), 2ª Edição, 2010, pág. 315

10 outubro 2016

Um sinal para nós

“Deus se dá àqueles que se dão a Ele. A maneira não importa muito, contanto que seja a maneira que Ele escolheu para o nosso caso. Acho que posso me aproximar de Deus tanto por meio do estudo dos áridos problemas da teologia moral, como pela leitura dos mais ardentes textos místicos. Pois é a vontade de Deus que eu, como sacerdote, conheça minha teologia moral. O dever não deve ser enfadonho. O amor pode torná-lo belo e enchê-lo de vida. Enquanto estivermos preocupados em traçar linhas divisórias entre o dever e o prazer no mundo do espírito, estaremos afastados de Deus e de sua alegria.”
O signo de Jonas, Thomas Merton (Ed. Mérito), 1954, pág. 324

03 outubro 2016

Vai e faze a mesma coisa

 
O bom samaritano  -  Vincent Van Gogh
“A Igreja, que Cristo ‘comprou com seu sangue’ (At 20,28), é chamada a manter vivo na terra esse insubstituível clima de misericórdia, verdade e fé, no qual a alegria criativa e doadora de vida da reconciliação em Cristo não só permanece sempre possível, como é uma realidade contínua e sempre renovada. Esse poder da misericórdia, reconciliação e união em Cristo é identificado ao poder que ressuscitou o Próprio Senhor dentre os mortos (Ef 1,19-20; 2,4-6) e venceu o ‘poder’ dos arcontes, os tiranos espíritos que regem ‘este mundo de trevas’ e dominam os filhos da descrença e da desobediência (Ef 2,2). O poder da misericórdia é o poder que nos faz um em Cristo, destruindo todas as divisões (Ef 2, 14-18).”
Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Edição 2004, pág. 222