28 abril 2008

Escolher o mundo

“ Eu não tive escolha em relação à época em que viveria, mas posso, contudo, escolher minha atitude, bem como a maneira e a proporção como vou participar dos acontecimentos vivos que nela se desenrolam. Escolher o mundo não é, portanto, apenas a admissão piedosa de que o mundo é aceitável porque vem das mãos de Deus. Trata-se, em primeiro lugar, da aceitação de uma tarefa e de uma vocação no mundo, na história e no tempo. No meu tempo, que é o presente. Escolher o mundo é escolher fazer o trabalho de que sou capaz, em colaboração com meu irmão e minha irmã, para tornar o mundo melhor, mais livre, mais justo, mais habitável, mais humano. E agora se tornou totalmente óbvio que a mera "rejeição automática do mundo" e "desprezo pelo mundo" não é, na verdade, uma escolha, mas uma fuga da escolha. A pessoa que pretende poder dar as costas a Auschwitz ou ao Vietnã e age como se eles não existissem, está simplesmente blefando.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Doubleday & Co., Garden City, NY), 1973. p. 164 - 165
No Brasil: Contemplação num mundo de ação, (Editora Vozes, Petrópolis), 1975. p. 149
Reflexão da semana de 28-04-2008

Um pensamento para reflexão
: “O grande problema do nosso tempo não é formular respostas claras para questões teóricas bem definidas, mas enfrentar a alienação auto-destrutiva do homem em uma sociedade dedicada, em tese, a valores humanos e, na prática, à busca do poder pelo poder.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

21 abril 2008

Incêndio na floresta

“ Cada vez aprecio mais a beleza e a solenidade do ‘Caminho’ que sobe por entre os bosques, passa pelo estábulo do touro, galga a encosta pedregosa, entra no meio dos altos e eretos carvalhos e nogueiras e, dando a volta pelos pinheiros no alto da colina, chega até o chalé.

Nascer do sol. Oculto por pinheiros e cedros no lado leste da casa. Vi a chama vermelha de seu resplendor através dos cedros não como a alvorada, mas como um incêndio na floresta. Da janela do cômodo da frente, ele, o Sol (é difícil deixar de imaginá-lo como um ‘ele’), brilhou em silêncio com solene força através dos galhos de pinheiro.

Agora, após a Missa Solene, todo o vale está glorioso com a luz matinal e o canto dos pássaros.

É essencial vivenciar todos os tempos e estados de ânimo deste lugar.
Ninguém saberá ou conseguirá dizer quão essencial. Quase o primeiro e mais importante elemento de uma vida verdadeiramente espiritual, perdida na rotina constante e formal dos Ofícios Divinos sob as lâmpadas fluorescentes do coro – praticamente sem diferença entre noite e dia.”

Turning Toward the World
, de Thomas Merton
Editado por Victor A. Kramer
(HarperSanFrancisco, São Francisco) 1997, p. 122
Reflexão da semana de 21-04-2008

Um pensamento para reflexão
: “Muitos, sem dúvida, têm uma vaga consciência da alvorada, mas estão protegidos contra sua solenidade pelo culto neutralizador de sua própria sociedade, de seu próprio mundo no qual o sol já não nasce nem se põe.”
Turning Toward the World, Thomas Merton

14 abril 2008

Poder e misericórdia

“ O mistério do Bom Samaritano é, portanto, o mistério de chesed: poder e misericórdia. Afinal, é o próprio Cristo que jaz ferido à beira da estrada. É Cristo que vem na pessoa do samaritano. E Cristo é o laço, a compaixão e a compreensão entre os dois. Assim é que a Igreja é construída de pedras vivas, unidas pela misericórdia. Ali onde existe, de um lado, um desamparado ferido e meio morto, e, do outro, um rejeitado sem prestígio, e um se inclina com piedade para ajudar o outro, opera-se uma epifania divina, um despertar. Aí há homem, aí a realidade se torna humana e, em resposta a esse movimento de compaixão, surge, na terra, uma Presença, e a brilhante nuvem da majestade de Deus cobre a pobreza e o amor de ambos. Pode não haver consolação nisso. Pode não haver nada de humanamente encantador. Não é necessariamente como no cinema. Talvez, exteriormente, o encontro seja sórdido e nada atraente. Mas a Presença de Deus na Terra aí se realiza, Cristo está ali e Deus está em comunhão com o homem.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 181-182
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 185-186

Reflexão da semana de 14-04-2008

Um pensamento para reflexão: “Chesed, misericórdia e poder, se manifesta visivelmente no chasid ou o santo. De fato, o santo é alguém cuja vida inteira está imersa na chesed de Deus. O santo é o instrumento da misericórdia divina. Através do chasid, o amor de Deus se estende no mundo, num mistério visível, um mistério de pobreza e amor, mansidão e poder.”
Tempo e Liturgia, Thomas Merton

07 abril 2008

O toque de um sino de catedral

“ A parábola do Bom Samaritano é uma revelação de Deus numa palavra que tem grande importância através de todas as Escrituras, do início ao fim. É uma revelação do que o profeta Oséias diz, falando pelo Deus invisível: ‘a misericórdia e não o sacrifício’. O que é essa misericórdia da qual se fala em toda parte nas Escrituras e especialmente nos Salmos? A Vulgata faz ouvir a palavra misericórdia como o toque profundo de um sino de catedral. Misericórdia é o burden* ou o ‘bourdon’, é o som baixo e em surdina de toda a Bíblia. Mas a palavra hebraica que traduzimos como misericórdia diz muito mais do que apenas misericórdia.

Chesed (misericórdia) é também fidelidade e fortaleza. É a misericórdia fiel e indefectível de Deus. É o fundamental, aquilo que não falha, porque é o poder que une uma pessoa a outra, numa aliança de vontades. É o poder que nos une a Deus, porque Ele nos prometeu a sua misericórdia e jamais falhará em sua promessa, porque Ele não pode falhar. É o poder e a misericórdia que mais o caracterizam, que mais se aproximam do mistério no qual penetramos quando todos os conceitos se obscurecem e nos escapam.”
* Burden (inglês) ou bourdon (francês) é em português bordão. Significa o som mais baixo em certos instrumentos; nome dado às cordas mais grossas de vários instrumentos. Em alemão Unterton.

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 175
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 179
Reflexão da semana de 07-04-2008

Um pensamento para reflexão: “Cada dia é uma nova aurora daquele lumen Christi, a luz de Cristo que não conhece o ocaso.”
Tempo e Liturgia, Thomas Merton