29 novembro 2007

Apologia a um descrente

“ Admitir que este é um mundo ao qual parece que Deus não fala não é uma renúncia à fé: é a simples aceitação de um fato religioso existencial. Não deve desconcertar ninguém que crê, com base na Bíblia e nos místicos, que os silêncios de Deus também são mensagens que têm sua própria importância. E essa importância não é necessariamente tranqüilizadora. Uma coisa que pode significar, por exemplo, é um julgamento da hipocrisia dos que confiam em si mesmos porque se consideram respeitáveis e “bem situados”. Pode implicar um julgamento de suas assertivas e insinuar que muito está sendo dito por Deus numa linguagem que ainda não aprendemos a decodificar. Não que novos dogmas estejam sendo revelados: talvez coisas que precisamos muito entender nos estejam sendo ditas de formas novas e desconcertantes. Talvez estejam diante dos nossos olhos sem que as vejamos. É em situações assim que a linguagem do profetismo fala sobre o ‘silêncio de Deus’.”

Faith and Violence, de Thomas Merton.
(University of Notre Dame Press, South Bend, IN), 1968, p. 211-212
Reflexão da semana de 26-11-2007

Um pensamento para reflexão: “A fé chega a nós pelos ouvidos, diz São Paulo. Mas o que ouvimos? Os gritos dos encantadores de serpentes? As banalidades apaziguadoras do operador religioso? Primeiro devemos ser capazes de ouvir as bases insondáveis do nosso próprio ser, pois quem sou eu para dizer que as reservas que você [o Descrente] tem quanto a um compromisso religioso não protegem, em você, essa forma de escuta?”
Faith and Violence, Thomas Merton

19 novembro 2007

Salmos que embriagam








Quando os salmos me surpreendem com sua música
E as antífonas tornam-se rum
O Espírito canta; o fundo de minh’alma cai.

E do centro de meu porão, Amor, mais alto que o trovão
Abre-se um céu de ar desnudo.

Novos olhos despertam.

Envio o nome do Amor ao mundo com asas
E canções crescem ao meu redor como uma selva.
Coros de todas as criaturas entoam as melodias
Que o Teu Espírito toca no Éden.

Um pensamento para reflexão: “Saia de si com tudo que se é, o que não é nada, e derrame esse nada em gratidão por Deus ser quem Ele é.”
Dancing in the Water of Life. Diários, Vol. 5, Thomas Merton


PSALM

When psalms surprise me with their music
And antiphons turn to rum
The Spirit sings; the bottom drops out of my soul.

And from the center of my cellar, Love, louder than thunder
Opens a heaven of naked air.

New eyes awaken.

I send Love's name into the world with wings
And songs grow up around me like a jungle.
Choirs of all creatures sing the tunes
Your Spirit played in Eden.

“Psalm” in The Collected Poems of Thomas Merton
(New Directions Publishing Corp., Nova York) 1977, p. 220-221
Reflexão da semana 19-11-2007

12 novembro 2007

Elegia para um Trapista


[Para os que apreciaram a reflexão de Merton sobre o Pe. Stephen, o monge das flores, de Gethsemani, que apareceu na semana passada, 5 de novembro, segue um poema escrito após o enterro do Pe. Stephen.]



Talvez no martirológio ainda hoje
Faltem as palavras para descrever-te
Confessor de exóticas rosas
Mártir de indizíveis jardins

A quem sempre lembraremos
Como um amável ser aflito

Generoso e instável penhasco
Cambaleando no claustro
Como um velho trem de carga
Rumo a incerta estação

Mestre do súbito presente jubiloso
Numa avalanche
De catálogos de flores
E de amor sem limites.

Às vezes um tanto perigoso nas curvas
Tentando infiltrar em vão
Alguns buquês enormes, perfeitos
Num altar lateral

Nas mangas de tua cogula

Na escuridão da madrugada
No dia do teu enterro
Um caminhão com seus faróis
Como um navio de guerra
Chegou até o portão
Por seu jardim silencioso e abandonado

O breve lampejo
Acende grutas, pirâmides e presenças
Uma a uma
O vermelho do portão se abriu
E se fechou rangendo sob as luzes
E houve nada

Como se Leviatã

Excitado pelo rastro de outro sangue
Tivesse passado por ti
Sem te ver escondido nas flores.




ELEGY FOR A TRAPPIST

Maybe the martyrology until today
Has found not fitting word to describe you
Confessor of exotic roses
Martyr of unbelievable gardens

Whom we will always remember
As a tender-hearted careworn
Generous unsteady cliff
Lurching in the cloister
Like a friendly freight train
To some uncertain station

Master of the sudden enthusiastic gift
In an avalanche
Of flower catalogues
And boundless love.

Sometimes a little dangerous at corners
Vainly trying to smuggle
Some enormous and perfect bouquet
To a side altar
In the sleeves of your cow

In the dark before dawn
On the day of your burial
A big truck with lights
Moved like a battle cruiser
Toward the gate
Past your abandoned and silent garden

The brief glare
Lit up the grottos, pyramids and presences
One by one
Then the gate swung red
And clattered shut in the giant lights
And everything was gone

As if Leviathan
Hot on the scent of some other blood
Had passed you by
And never saw you hiding in the flowers.

The Collected Poems of Thomas Merton
(New Directions, Inc., New York), 1977, p. 631- 632
Reflexão da semana de 12-11-2007

05 novembro 2007

Uma vida que une

[Transcrito de uma apresentação oral]

“ Havia um velho padre em Gethsemani – uma daquelas pessoas que existem em todas comunidades muito grandes – que era visto como uma espécie de sujeito engraçado. Na verdade, ele era um santo. Sua morte foi bela e, depois que morreu, todos perceberam o quanto o amavam e admiravam, embora ele tivesse feito, constantemente, tudo errado durante sua vida. Era absolutamente obcecado por jardinagem, mas por muito tempo teve um abade que insistia em que ele devia fazer qualquer coisa, menos jardinagem, por uma questão de princípio; pois fazer o que você gostava significava seguir a vontade própria. O Padre Stephen, contudo, não conseguia deixar de mexer no jardim. Era proibido, mas a gente o via plantando coisas sub-repticiamente. Por fim, quando o velho abade morreu e veio o novo, ficou tacitamente entendido que o Padre Stephen nunca faria nada além da jardinagem, e assim o incluíram na lista de tarefas como jardineiro, e ele só fazia jardinagem de manhã à noite. Nunca ia ao Ofício, nunca ia a nada, apenas cavava em seu jardim. Ele colocou toda a sua vida ali e todos meio que riam disso. Mas ele fazia coisas muito boas – por exemplo, quando os teus pais vinham te visitar, e você ouvia um farfalhar entre os arbustos como se um alce estivesse se aproximando, o Padre Stephen surgia apressado com um grande buquê de flores.

Na festa de São Francisco de três anos atrás, ele estava vindo do jardim próximo da hora do jantar, entrou em outro jardinzinho, se deitou no chão sob uma árvore, perto de uma estátua de Nossa Senhora, e alguém passou e pensou: ‘o que será que ele está fazendo agora?’ E o Padre Stephen olhou de volta, para cima, acenou e morreu. No dia seguinte, no seu funeral, os pássaros cantavam, o sol brilhava e foi como se toda a natureza estivesse ali com o Padre Stephen. Ele não teve de ser diferente dessa maneira: essa foi a maneira como aconteceu. Este foi um desenvolvimento frustrado, desviado para um canalzinho engraçado, mas o verdadeiro sentido de nossas vidas é desenvolver pessoas que realmente amem a Deus e irradiem amor, não no sentido de que sintam muito amor, mas de que simplesmente sejam pessoas cheias de amor que mantêm a chama do amor acesa no mundo. Para isto, têm de ser pessoas plenamente unificadas e plenamente elas mesmas – pessoas de verdade.”

Thomas Merton in Alaska, de Thomas Merton
(New Directions Publishing Corp., New York), 1988, p.148-149
Reflexão da semana de 05-11-2007

Um pensamento para reflexão
: “O propósito da vida monástica é criar uma atmosfera na qual as pessoas se sintam livres para expressar sua alegria de maneiras razoáveis. O que estamos realmente buscando é a integração e unificação finais do homem no amor.”
Thomas Merton in Alaska