27 março 2016

Domingo de Páscoa | Vencendo a morte


28 de março de 1948. Domingo de Páscoa.


"Todas as antífonas de alleluia da Páscoa voltam-me à cabeça como ricas associações dos dias mais felizes da minha vida – as sete temporadas pascoais que já passei no mosteiro, sendo a sétima a que está começando agora: a sabática.
Todas as macieiras floriram na Sexta-feira Santa. Esfriou e choveu, mas hoje está muito claro, com o céu bem limpo. O salgueiro está todo verde. Tudo está em botão.
E, no meu coração, a paz mais profunda, a claridade de Cristo, lúcida e serena e sempre presente como a eternidade. Nessas grandes festas somos levados ao topo de um platô na vida espiritual para termos uma nova visão de tudo. Principalmente na Páscoa. A Páscoa é como o que há de ser, quando, entrando na eternidade, brusca, tranquila e claramente você reconhece seus erros, todos eles, bem como tudo o que fez bem: cada coisa se encaixa em seu lugar.”

Merton na Intimidade – Sua vida em seus diários
 (Editora Fisus, 2001) pág. 61

26 março 2016

Sábado Santo | Atmosfera de oração e de silêncio


“A intenção simples é medicina divina, é bálsamo que acalma as potências da nossa alma feridas pelo excesso de expressão subjetiva. Ela cura os nossos atos na sua secreta fraqueza, e atrai a nossa força às alturas ocultas do nosso ser, e banha o nosso espírito na infinita misericórdia de Deus. Ela nos fere a alma para medicá-la em Cristo, pois a intensão simples revela a presença e a ação de Cristo em nossos corações. Ela faz de nós perfeitos instrumentos de Cristo e transforma-nos em sua semelhança, enchendo a nossa vida inteira da sua brandura e da sua força, da sua pureza, da sua oração e do seu silêncio. Tudo que se oferece a Deus com reta intenção é aceito por Ele. Tudo que se oferece a Deus com intenção simples, Ele aceita não só por causa da nossa boa vontade, mas porque Lhe é agradável em si mesmo.”
Homem Algum É uma IlhaThomas Merton 
(Editora Agir, 1968) pág. 78 e 79

25 março 2016

Sexta-feira da Paixão | O sofrimento

"SOMENTE os SOFRIMENTOS de Cristo tem valor aos olhos de Deus. Deus odeia o mal, e para Ele é como símbolos que eles têm valor. O infinito sentido e valor da morte de Jesus na cruz não se devem ao fato de ser uma morte, mas sim de ser a morte do Filho de Deus. A cruz de Cristo não diz nada do poder do sofrimento ou da morte. Ela só fala do poder dAquele que venceu o sofrimento e a morte quando ressurgiu do túmulo.

As chagas que o mal imprimiu na carne de Cristo devem ser adoradas não por serem chagas, mas por serem as Suas chagas. Nem as adoraríamos se Ele tivesse simplesmente morrido delas, sem ressuscitar. Pois Jesus não é só alguém que uma vez amou tanto os homens a ponto de morrer por eles. Ele é um homem cuja natureza humana subsiste em Deus, de modo que Ele é uma pessoa divina. O Seu amor por nós é o amor infinito de Deus, mais forte do que o mal e invulnerável à morte.


O sofrimento, pois, só pode ser oferecido a Deus por quem acredita que Jesus não está morto. E é da essência mesma do cristianismo enfrentar o sofrimento e a morte não por serem bons, nem porque tenham um sentido, mas porque a ressurreição de Jesus os despojou de todo sentido."
Homem algum é uma ilha, Thomas Merton
(Editora Verus, 2003) pág. 79-80

24 março 2016

Quinta-feira Santa | Tomai e comei...


“A Eucaristia – O Sacrifício de louvor e ação de graças – é um braseiro ardente do conhecimento de Deus, pois, neste Sacrifício, Jesus, rendendo graças ao Pai, se oferece e se imola inteiramente pela glória do Pai e para nos salvar de nossos pecados.”


Na liberdade da solidão, Thomas Merton
(Editora Vozes, 2014) pág. 35

23 março 2016

Quarta-feira Santa | Confessai vossos pecados


“O temor de Deus, que é o início da sabedoria, é, portanto, o reconhecimento da ‘mentira que está em nossa mão direita’ (Is 44,20). ‘Se dissermos que não temos pecado, nos enganamos a nós mesmos e a verdade não está em nós... Se dissermos que não pecamos, fazemos dele um mentiroso e sus palavra não está em nós’ (1Jo 1,8-10). Portanto, o inicio da sabedoria é a confissão do pecado. Essa confissão nos obtém a misericórdia de Deus.”
Na liberdade da solidão, Thomas Merton (Editora Vozes, 2014) pág. 62

22 março 2016

Terça-feira Santa | Ir ao encontro do Senhor, no outro


“Em outras palavras, a vida não é uma linha reta horizontal entre dois pontos, o nascimento e a morte. A vida faz uma curva para cima até um pico de intensidade, um ponto alto de valor e significação, no qual todas as suas potencialidades criativas latentes entram em ação, e a pessoa transcende a si mesma em encontro, resposta e comunhão com uma outra. É para isso que viemos ao mundo – para essa comunhão e essa transcendência de si."

Amor e Vida, Thomas Merton 
(Editora Martins Fontes, 2004) pág. 28

21 março 2016

Segunda-feira Santa | A criptografia do Amor


"O amor é o nosso verdadeiro destino. Não encontramos o sentido da vida sozinhos – nós o encontramos com um outro. Não descobrimos o segredo de nossas vidas apenas pelo estudo e pelo cálculo em nossas meditações isoladas. O sentido de nossa vida é um segredo que nos tem de ser revelado no amor, por aquele que amamos. E, se esse amor for irreal, o segredo não será encontrado, o sentido jamais se revelará, a mensagem jamais será decodificada. Receberemos, no máximo, uma mensagem distorcida e parcial, que nos enganará e confundirá. Jamais seremos plenamente reais até deixarmos a paixão se apoderar de nós – seja por uma pessoa humana ou por Deus.”

Amor e Vida, Thomas Merton 
(Editora Martins Fontes, 2004) pág. 28 e 29

20 março 2016

Domingo de Ramos | Ir ao encontro do Senhor


"É impossível encontrá-Lo, enquanto ignoramos  que precisamos Dele. Esquecemos essa  carência quando tomamos gosto das nossas boas obras. Os pobre e o desamparados são os primeiros a encontrá-Lo, pois Ele veio procurar e salvar o que estava perdido."

Homem Algum É uma Ilha, Thomas Merton 
(Agir, 1968) pág. 193

18 março 2016

Epifânia de Merton

18 de março de 1958.
E


M LOUISVILLE, na esquina das ruas Fourth e Walnut, no centro da cidade, fi­quei de repente submerso pela compreensão de que eu amava toda aquela gente, que eles todos eram meus e eu deles, e que não podíamos estar alheios uns aos outros, embora fôssemos totais desconhecidos. Era como se tivesse acordado de um so­nho de separação, de espúrio auto-isolacionismo num mundo especial, um mundo de renúncia e de suposta santidade. A ilusão de uma vida santa separada dos outros é um sonho. Não que eu ponha em dúvida a reali­dade da minha vocação ou da minha vida monástica: mas a concepção de “separação do mundo” que temos no mosteiro se apresenta, com demasiada facilidade, como uma completa ilusão. A ilusão de que, por termos feito votos, nos tornamos seres de uma espécie diferente, pseudo-anjos, “homens espirituais”, homens de vida interior, ou coisa parecida.


Certamente esses valores tradicionais são muito reais, porém sua realidade não é de forma tal que se coloque fora da existência cotidiana num mundo cheio de incertezas. Nem nos dá o direito de desprezar o que é secular. Embora “fora do mundo”, pertencemos ao mesmo mundo que toda gente. O mundo da bomba nuclear, o mundo do ódio racial, o mundo da tecnologia, dos meios de comunicação de massa, das grandes empresas, da revolução e de tudo mais. Temos para com todas essas coisas uma atitude diferente, porque pertencemos a Deus. No entanto, todos os outros também pertencem a Deus. Talvez apenas nós temos consciência disso e fazemos uma profissão dessa tomada de consciência. Entretanto, será que isso nos autoriza a nos considerarmos diferentes, ou mesmo melhores do que os outros? Tudo isso é um absurdo.

A sensação de libertação dessa diferença ilusória proporcionou-me tal alívio e tanta alegria que quase comecei a rir abertamente. E imagino que minha felicidade poderia ser expressa pelas palavras: “Graças a Deus, graças a Deus que sou como os outros homens, que sou apenas um homem entre outros”. Pensar que, por dezesseis ou dezessete anos, levei a sério tamanha ilusão, tão solidamente implícita em nosso pensamento monástico!


É um destino glorioso ser membro da raça humana, embora seja uma raça entregue a muitos absurdos e que comete muitos e terríveis erros. E, com tudo isso, o próprio Deus exultou ao tornar-se membro da raça humana. Um membro da raça humana! Ter consciência de tão corriqueira descoberta é como receber a notícia de que nosso bilhete foi premiado numa loteria cósmica.

Sinto uma imensa alegria de ser homem, membro de uma raça na qual o próprio Deus se encarnou. Como se as dores e a estupidez da condição humana pudessem me esmagar, agora que tenho consciência daquilo que nós todos somos. Que bom seria se todos pudessem ter consciência disso! Isto porém não pode ser explicado. Não há meio de dizer às pessoas que estão todas elas por aí brilhando como sóis.


Isso em nada modifica o sentido e o valor da minha solidão, pois de fato é função da solitude tornar-nos conscientes de tais coisas, com uma clareza que seria impossível a alguém que se achasse totalmente imerso em outras preocupações, em outras ilusões e em todos os automatismos de uma existência rigidamente coletiva. Entretanto, minha solidão não é minha, pois vejo agora o quanto ela lhes pertence — e que tenho uma responsabilidade em relação a eles, e não apenas a mim. É porque sou um com eles que lhes devo isso de ser só, e, quando estou só, eles não são “eles”, mas eu próprio. Não são estranhos!


Aconteceu, então, subitamente, como se eu visse a beleza secreta de seus corações, a profundeza de seus corações onde nem o pecado, nem o desejo, nem o autoconhecimento podem penetrar. Isto é, o cerne da realidade de cada um, da pessoa de cada um aos olhos de Deus. Se ao menos todos eles pudessem ver-se como realmente são. Se ao menos pudéssemos ver-nos uns aos outros deste modo, sempre. Não haveria mais guerra, nem ódio, nem crueldade, nem ganância… Suponho que o grande problema seria que cairíamos todos de joelhos, adorando-nos uns aos outros, Isto, porém, não pode ser visto, só pode ser acreditado e “compreendido” por um dom peculiar.


Uma vez mais, aquela expressão “le point-vierge” (não sei traduzi-la) cabe aqui. No centro de nosso ser, existe um ponto como que vazio, intocado pelo pecado e pela ilusão, um ponto de pura verdade, um ponto, uma centelha, que pertence inteiramente a Deus, que nunca está à nossa disposição, a partir do qual Deus dispõe de nossas vidas. Que é inacessível às fantasias da nossa própria mente ou às brutalidades de nossa vontade. Esse pontinho “de nada” e de absoluta pobreza é a pura glória de Deus em nós. É como ter seu nome inscrito em nós, como sendo nossa pobreza, nossa indigência, nossa dependência, nossa filiação divina. 
É como um diamante puríssimo, a brilhar na luz invisível do céu. Isso existe em todos os homens, e se pudéssemos vê-lo, veríamos esses bilhões de pontos de luz na face e no ardor de um sol que fariam desaparecer inteiramente toda a escuridão e toda a crueldade… Não tenho nenhum programa para essa visão. É algo dado de graça. Mas a porta do céu está em toda a parte.
Traduzido do livro de Thomas Merton, Conjectures of a Guilty Bystander, publi­cado no Brasil em 1970 com o título de Reflexões de um espectador culpado pela Editora Vozes.


14 março 2016

A caridade na quaresma (e fora dela)

“A essência propriamente dita do cristianismo é a caridade, a unidade em Cristo. (...) Buscar uma união com Deus que implicasse uma separação completa, em espírito e corpo, do resto da humanidade seria, para um santo cristão, não apenas absurdo, mas também o oposto da santidade.

O isolamento no eu, a inabilidade de sair de si para ir ao outro, significaria a incapacidade para qualquer forma de autotranscendência. Portanto, ser prisioneiro de si mesmo é, na verdade, estar no inferno. (...) Na verdade, o amor é a vida espiritual, sem o qual todos os outros exercícios do espírito, embora elevados, ficam esvaziados de conteúdo e tornam-se meras ilusões. E quanto maior a elevação, mais perigosa a ilusão.

O amor, com certeza, significa muito mais do que um simples sentimento, muito mais que favores ínfimos ou doadores de esmolas rotineiros. Amor significa uma identificação interior e espiritual com o irmão para que ele não se torne um ‘objeto’ ao ‘qual’ se ‘faz um bem’”. 
A sabedoria do deserto, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 2004, pág. 18 e 19.

07 março 2016

Quaresma: Quando a nuvem é mais densa


"O eclipse dos sentidos, eis uma nuvem em que a alma se acostuma a andar às cegas, sem parar nas aparências das coisas mutáveis ou no conteúdo emocional da experiência em seus juízos sobre a verdade e o erro, o bem e o mal. Antes de poder ver o Deus vivo, o espírito deve ser cego até às mais altas percepções e juízos da sua inteligência natural. Deve entrar na pura obscuridade, mas esta é pura Luz, é a infinita Luz de Deus mesmo, obscura às mentes finitas."
Ascensão para a verdade, Thomas Merton (Editora Itatiaia), 1999, pág. 44.