29 setembro 2014

Uma história sobre Santa Teresinha

"Tarde da noite. A maior parte dos cafés de Paris cerrou suas portas, baixou seus postigos, trancando-se para o lado da rua. Luzes refletem-se brilhantemente nos passeios úmidos e vazios. Um táxi para para pegar um passageiro e parte de novo e a luz vermelha da traseira desaparece ao dobrar da esquina.
 
O homem que acaba de apear-se segue um empregado pela porta giratória até o vestíbulo de um dos maiores hotéis de Paris. Sua mala de mão pintalga-se de etiquetas europeias com os nomes de hotéis de que existiam nas grandes cidades europeias antes da Segunda Guerra Mundial. Mas o homem não é um turista. Vê-se logo que é um homem de negócios e importante. Não é essa espécie de hotel procurada por meros voyageurs de comerce. Um francês, evidentemente, e caminha através do vestíbulo como um homem acostumado a hospedar-se nos melhores hotéis. Para um instante, procurando no bolso algum dinheiro miúdo e o empregado vai à sua frente até o elevador.
 
Sente, de súbito o viajante que alguém está olhando para ele. É uma mulher e, para espanto seu, traz hábito de monja.
 
Se conhecesse algo a respeito dos hábitos usados pelas diferentes ordens religiosas, reconheceria a capa branca e o burel castanho das Carmelitas Descalças. Mas como um homem na sua posição haveria de saber alguma coisa a respeito das Carmelitas Descalças? É demasiado importante e demasiado atarefado para se preocupar com monjas e ordens religiosas... ou com igrejas a propósito, embora ocasionalmente vá à missa pró-forma.
 
O mais surpreendente de tudo é que a freira está sorrindo e está sorrindo para ele. É uma jovem irmã, com um brilhante e inteligente rosto de francesa, cheio de candor duma criança, cheio de bom senso e seu sorriso é um sorriso de franca e indisfarçada amizade. Instintivamente leva o viajante a mão ao chapéu, depois torna a voltar-se e dirige-se apressado à gerência, garantindo a si mesmo que não conhece freira alguma. Ao assinar o registro, não pode deixar de lançar uma olhadela para trás. A freira já fora embora.
 
Largando a pena, pergunta ao empregado:
 
— Quem é essa freira que acaba de passar por aqui?
— Peço-lhe perdão, cavalheiro, mas que é que o senhor diz?
— Aquela freira... quem é, afinal? Aquela que acaba de sair e sorriu para mim?
 
O empregado arqueia os supercílios.
 
— O senhor está enganado, cavalheiro. Uma freira, num hotel a esta hora da noite? Freiras não andam vagando pela cidade sorrindo para homens!
— Sei disso. E por isso mesmo gostaria que o senhor me explicasse o fato de haver uma aparecido e sorrindo para mim agorinha mesmo, aqui neste vestíbulo.
 
O empregado encolhe os ombros.
 
— O senhor foi a única pessoa que entrou ou saiu nesta última meia hora.

Não muito tempo depois, o viajante, que viu uma freira no hotel parisiense, não era mais um importante industrial francês e sabia de algo a respeito de hábitos religiosos. Na realidade usava um... Tornara-se monge trapista numa abadia do sul da França.
 
(...) O que se deve salientar nesta história é que ela é verdadeira. Aquele irmão leigo vive hoje na abadia de Aiguebelle e a razão de achar-se ali pode ser rastejada até o fato de haver entrado numa noite num hotel de Paris e ali haver visto uma freira sorrindo para ele, embora o empregado lhe afirmasse que nenhuma freira ali se achava.
 
Poucos dias depois vira um retrato da mesma freira na casa de uns amigos. Disseram-lhe que se chamava Santa Teresa do Menino Jesus".

Prólogo de Águas de Siloé, Thomas Merton (Editora Itatiaia), 1957


Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face (1873-1897), Monja Carmelita e Doutora da Igreja, cuja memória celebramos no dia 1º de Outubro


Há uma reflexão extraída deste livro no blog:

23 setembro 2014

Despojamento da vontade e renúncia

“Se não temos gosto algum pelas coisas de Deus, podemos ao menos desejar esse gosto, e, se o pedirmos, ser-nos-á dado. Mas é preciso, ao mesmo tempo, que nos recusemos o gosto por tudo aquilo que mata o desejo de Deus.

Isso nos leva a outro elemento que determina a medida do amor por Deus: a renúncia a si mesmo. A caridade é recebida em proporção da recusa de qualquer outro amor. Quem mais possui no reino do espírito é quem menos ama na ordem da carne. Digo “quem menos ama”, e não quem menos come, ou menos bebe, ou menos dorme; um bom marido pode ter mais amor por Deus, do que um monge medíocre. Mas a prova, em cada caso, é o despojamento da vontade e o desejo de renunciar completamente a sim mesmo para obedecer a Deus. Em resumo, pois, a medida da nossa caridade é conforme o nosso desejo; este, por seu turno, é medido pelos próprios desejos de Deus, e é quando abjuramos aos nossos, que Deus realiza em nós os Seus.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 158 e 159.

16 setembro 2014

Nunca nos será recusado

“Uma vez com o Espírito Santo a habitar no coração, a medida da doação de Cristo será proporcional ao nosso desejo. Porque, ao ensinar a habitação do Seu Espírito de caridade, Jesus sempre nos aconselha a pedir a fim de que possamos receber. O Espírito Santo é o mais perfeito dom do Pai ao homem e, no entanto, é o dom que Ele dá mais facilmente. Há uma porção de coisas menores que, se pedirmos, pode ser que sejam recusadas. O Espírito Santo, porém, nunca nos será recusado.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 156

09 setembro 2014

O amor escondido no outro

“Muita gente não revela nunca a parte de bem que nela se esconde, até o dia em que lhe damos um pouco do bem, isto é, um pouco da caridade que há em nós.

Somos de tal modo filhos de Deus, que, amando os outros, podemos fazê-los bons e amáveis, a despeito deles mesmos.

O nosso dever é o de tornar-nos perfeitos como é perfeito o nosso Pai celeste (cf. Mt 5,48). Isso significa que não olhamos o mal nos outros, mas lhe damos um pouco do nosso bem a fim de pôr à mostra o bem que Ele neles escondeu.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 149

01 setembro 2014

Uma calma e definida decisão

“Se uma pessoa não consegue jamais se decidir, jamais se resolver a fazer o que é preciso para seguir uma vocação, não tem provavelmente vocação. Ela pode ter-lhe sido oferecida: mas isso é coisa que não se pode decidir com certeza. Se resiste ou não à graça, o que parece certo é que ela 'não é chamada'. Mas uma calma e definida decisão, que não desanima com os obstáculos nem se quebra ante a oposição, é um bom sinal de que Deus deu a graça de responder ao Seu chamado e que é correspondido.”

Homem Algum é uma Ilha, Thomas Merton (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 141