29 outubro 2007

Imaturidade e narcisismo do amor

“ (…) Os psicólogos usam palavras bem ásperas para a imaturidade e o narcisismo do amor em nossa sociedade mercadológica, na qual ele é reduzido a uma necessidade puramente egoísta que exige satisfação imediata ou manipula os outros de maneira mais ou menos inteligente a fim de obter o que deseja. Mas a pura verdade é esta: o amor não é uma questão de se obter o que se deseja. Muito pelo contrário. A insistência em sempre ter o que se deseja, em sempre obter satisfação, em sempre ser saciado, torna o amor impossível. Para amar, você precisa sair do berço, onde tudo é ‘obter’, e crescer para a maturidade da doação, sem se preocupar em obter alguma coisa especial em troca. O amor não é uma transação, é um sacrifício. Não é marketing, é uma forma de culto.

Na realidade, o amor é uma força positiva, um poder espiritual transcendente. É, de fato, o poder criativo mais profundo na natureza humana. Enraizado nas riquezas biológicas de nossa herança, o amor floresce espiritualmente como liberdade e como resposta da criatura à vida num encontro perfeito com uma outra pessoa. É uma apreciação viva da vida como valor e como dom. Responde à fecundidade, à variedade e à total riqueza da própria experiência viva; ele ‘conhece’ o mistério interior da vida. Deleita-se com a vida como uma fortuna inesgotável. O amor aprecia essa fortuna de uma maneira impossível ao conhecimento. O amor tem a sua própria sabedoria, sua própria ciência, sua própria maneira de explorar as profundezas interiores da vida no mistério da pessoa amada. O amor sabe, compreende e satisfaz as exigências da vida, na medida em que responde com calor, abandono e entrega.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(Farrar, Straus and Giroux, New York) 1979, p. 30-31
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 35-36
Reflexão da semana de 28-10-2007

Um pensamento para reflexão: “O amor é o nosso verdadeiro destino. Não encontramos o sentido da vida sozinhos ­— nós o encontramos com um outro. Não descobrimos o segredo de nossas vidas apenas pelo estudo e pelo cálculo em nossas meditações isoladas. O sentido de nossa vida é um segredo que nos tem de ser revelado no amor, por aquele que amamos.”
Amor e Vida, Thomas Merton

22 outubro 2007

Os sensatos e os perigosos

“ Um dos fatos mais perturbadores no julgamento de [Adolf] Eichmann é que um psiquiatra o examinou e o considerou perfeitamente são. Não duvido, de forma alguma, é precisamente por isso que acho o fato perturbador.

A sanidade de Eichmann é perturbadora. Associamos sanidade com senso de justiça, humanidade, prudência, capacidade de amar e entender as pessoas. Dependemos das pessoas sãs do mundo para preservá-lo da barbárie, da loucura, da destruição. E agora começamos a nos dar conta de que os sensatos é que são os mais perigosos.

São os sensatos, os bem adaptados que, sem receios e sem escrúpulos, apontam os projéteis e apertam os botões que iniciarão o grande festival de destruição que eles, os sadios, prepararam. O que nos dá tanta certeza de que, afinal, o perigo provem de um psicótico em condições de disparar o primeiro tiro numa guerra nuclear? Os psicóticos serão suspeitos. Os sadios os manterão afastados dos botões. Ninguém suspeita dos sadios, que terão sempre boas razões, lógicas e plausíveis, para disparar. Estarão obedecendo ordens sadias que terão vindo de forma sensata pela cadeia de comando. E, por causa de sua sanidade, jamais terão escrúpulos. Quando os mísseis forem disparados, não terá sido por engano.”

Raids on the Unspeakable, de Thomas Merton
(New Directions Publishing Co., New York), 1964, p. 45, 46-47
Reflexão da semana de 22-10-2007

Um pensamento para reflexão
: “Os que inventaram e desenvolveram as bombas atômicas, as bombas termonucleares, o mísseis, os que planejaram as estratégias da próxima guerra, os que avaliaram as possibilidades de usar agentes bacteriológicos e químicos: estes não são os loucos, são as pessoas sadias.”
Raids on the Unspeakable, Thomas Merton

15 outubro 2007

Todo mundo é mais ou menos sem fé

“ Minha tarefa peculiar em minha Igreja e em meu mundo tem sido a de um explorador solitário que, em vez de embarcar em todas as últimas ondas ao mesmo tempo, está destinado a procurar as profundezas existenciais da fé em seu silêncio, suas ambigüidades e naquelas certezas situadas abaixo do fundo da ansiedade. Nessas profundezas não há respostas fáceis, nenhuma solução pronta. É uma espécie de vida submarina em que a fé às vezes assume misteriosamente o aspecto da dúvida quando, na verdade, é preciso duvidar e rejeitar os substitutos convencionais e supersticiosos que tomaram o lugar da fé. Nesse plano, a divisão entre as pessoas com e sem fé deixa de ser tão cristalinamente clara. Não é que alguns estejam totalmente certos e outros, totalmente errados: todos têm de buscar com sincera perplexidade. Todo mundo é mais ou menos sem fé! Só quando este fato é plenamente vivenciado, aceito e vivido passa-se a ser capaz de ouvir a simples mensagem do Evangelho – ou de qualquer outro ensinamento religioso.

O problema religioso do século vinte não é compreensível se o enfocarmos apenas como um problema de pessoas sem fé e de ateus. Também é, e talvez em primeiro lugar, um problema de pessoas com fé. A fé que esfriou não foi apenas a fé que alguns perderam, mas também a fé que alguns mantiveram. Esta fé muitas vezes se tornou rígida, ou complexa, sentimental, tola ou impertinente. Perdeu-se em imaginações e irrealidades, dispersou-se em rotinas pontificais e de organização, ou evaporou em ativismo e falação.”

Faith and Violence, de Thomas Merton.
(University of Notre Dame Press, South Bend, IN), 1968, p. 213-214.

Reflexão da semana de 15-10-2007

Um pensamento para reflexão: “[Uma] fé que tem medo de outras pessoas não é fé alguma. Uma fé que tem como esteio a condenação de outros é, ela mesma, condenada pelo Evangelho.”
Faith and Violence, Thomas Merton

08 outubro 2007

Um discurso maravilhoso

“ Subi do mosteiro para cá [para o eremitério] ontem à noite chapinhando pelo milharal, rezei as Vésperas e coloquei aveia no fogareiro para o jantar. A aveia ferveu e derramou enquanto eu ouvia a chuva e tostava um pedaço de pão no fogo a lenha. A noite tornou-se muito escura. A chuva rodeou todo o chalé com seu enorme mito virginal - todo um mundo de sentido, segredo, silêncio, rumor. Pense nela: todo aquele discurso precipitando-se, vendendo nada, julgando ninguém, empapando a espessa camada de folhas mortas, encharcando as árvores, enchendo d’água as ravinas e recantos do bosque, lavando os lugares onde os homens desnudaram a encosta! Que coisa é sentar-se absolutamente só na floresta à noite, acariciado por esse discurso maravilhoso, ininteligível, perfeitamente inocente, o discurso mais reconfortante do mundo, a fala com que a chuva, sozinha, cobre o perfil das montanhas, e a fala dos arroios por toda parte, em todos os sulcos!

Ninguém a começou, ninguém a deterá. Esta chuva falará o tempo que quiser. Enquanto ela falar, vou ouvir.”

Raids on the Unspeakable, de Thomas Merton
(New Directions Publishing Co., New York), 1964, p. 9-10
Reflexão da semana de 08-10-2007

Um pensamento para reflexão: “Em seu nono memra* (sobre a pobreza) aos que moravam em solidão, Philoxenos diz que não há explicação nem justificativa para a vida solitária, pois ela é sem lei. Portanto, ser contemplativo é ser fora da lei. Como Cristo foi. Como [São] Paulo foi.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton

*Memra: termo hebraico que significa o mesmo que o grego Logos (Palavra).

01 outubro 2007

Mais brilhante do que a prata

“ A doutrina segundo a qual o homem encontra sua verdadeira realidade ao lembrar de Deus, a cuja imagem foi criado, é basicamente bíblica, e foi desenvolvida pelos Padres da Igreja em relação à teologia da graça, dos sacramentos e da inabitação do Espírito Santo. Na verdade, a rendição da nossa própria vontade, a ‘morte’ de nosso ego, marcado pelo egoísmo, para viver em puro amor e liberdade de espírito, não é efetuada por nossa própria vontade (seria uma contradição nos termos!), mas pelo Espírito Santo. Resume-se a ‘recuperar a divina semelhança’, ‘render-se à vontade de Deus’, ‘viver por puro amor’ e assim encontrar paz como ‘união com Deus no Espírito’ ou ‘receber, possuir o Espírito Santo’. Esta, como disse São Serafim de Sarov, eremita russo do século XIX, é toda a finalidade da vida cristã (portanto, a fortiori [segue-se logicamente], a vida monástica). São João Crisóstomo diz: ‘Assim como a prata polida iluminada pelos raios solares irradia luz não só da sua própria natureza, mas também a que vem do brilho do sol, assim também uma alma purificada pelo Espírito Divino torna-se mais brilhante do que a prata; tanto recebe o raio da Glória Divina como por si mesma reflete o raio dessa mesma glória.’ Nosso verdadeiro repouso, amor, pureza, visão e quies não é algo em nós mesmos: é Deus, o Espírito Divino. Assim, não ‘possuímos’ repouso, mas saímos de nós mesmos em direção Àquele que é o nosso verdadeiro repouso.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Doubleday, Garden City, NY), 1971. p. 287
No Brasil: Contemplação num mundo de ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 251-252

Reflexão da semana de 01-10-2007

Um pensamento para reflexão: “Na entrega de si próprio e da sua vontade, sua ‘morte’ para sua identidade do mundo, o monge é renovado à imagem e semelhança de Deus e se torna como um espelho cheio da luz divina.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton