“ Subi do mosteiro para cá [para o eremitério] ontem à noite chapinhando pelo milharal, rezei as Vésperas e coloquei aveia no fogareiro para o jantar. A aveia ferveu e derramou enquanto eu ouvia a chuva e tostava um pedaço de pão no fogo a lenha. A noite tornou-se muito escura. A chuva rodeou todo o chalé com seu enorme mito virginal - todo um mundo de sentido, segredo, silêncio, rumor. Pense nela: todo aquele discurso precipitando-se, vendendo nada, julgando ninguém, empapando a espessa camada de folhas mortas, encharcando as árvores, enchendo d’água as ravinas e recantos do bosque, lavando os lugares onde os homens desnudaram a encosta! Que coisa é sentar-se absolutamente só na floresta à noite, acariciado por esse discurso maravilhoso, ininteligível, perfeitamente inocente, o discurso mais reconfortante do mundo, a fala com que a chuva, sozinha, cobre o perfil das montanhas, e a fala dos arroios por toda parte, em todos os sulcos!
Ninguém a começou, ninguém a deterá. Esta chuva falará o tempo que quiser. Enquanto ela falar, vou ouvir.”
Raids on the Unspeakable, de Thomas Merton
(New Directions Publishing Co., New York), 1964, p. 9-10
Reflexão da semana de 08-10-2007
Um pensamento para reflexão: “Em seu nono memra* (sobre a pobreza) aos que moravam em solidão, Philoxenos diz que não há explicação nem justificativa para a vida solitária, pois ela é sem lei. Portanto, ser contemplativo é ser fora da lei. Como Cristo foi. Como [São] Paulo foi.”
Contemplação num mundo de ação, Thomas Merton
*Memra: termo hebraico que significa o mesmo que o grego Logos (Palavra).
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