“ Quem é meu próximo? A quem estou ligado? Quem devo amar?
Essas não são perguntas inteligentes e não têm respostas claras. Ao contrário, qualquer tentativa de respondê-las nos envolve em intermináveis sutilezas, coisas vagas e, em última instância, confusão. O amor desconhece classificações. A medida do amor estabelecida por Cristo para nós ultrapassa medidas: temos de ser ‘perfeitos como o Pai do céu é perfeito’. Mas o que significa a ‘perfeição’ do Pai celeste? É imparcialidade, não no sentido de uma justiça que tem igual medida para todos, conhecendo seus méritos, e sim no sentido da chesed, que desconhece classificação de bem e mal, justo e injusto. ‘Pois Ele faz cair a chuva sobre os justos e os injustos’.
Estamos ligados a Deus na chesed. O poder de sua misericórdia apossou-se de nós e não nos deixará: por isto, nos tornamos tolos. Não podemos mais amar com sabedoria. E porque nos despojamos nessa loucura que Ele nos enviou, podemos ser movidos por Sua imprevisível sabedoria de maneira que amamos a quem amamos e ajudamos a quem ajudamos, não conforme os nossos próprios planos, mas segundo a medida estabelecida por nós em Sua vontade oculta, que não conhece medida. Nessa loucura, que é obra do Seu Espírito, devemos amar especialmente os desamparados, que nada podem por nós. Temos também de receber seu amor, conscientes de nosso próprio desamparo e incapacidade de bastar-nos a nós mesmos. Chesed tornou-nos como que rejeitados e pecadores. Chesed inclui-nos entre os estrangeiros e os estranhos; chesed não só nos tirou nossa razão, mas também nos classificou no mesmo plano que todos os demais, aos olhos de Deus. Assim, não temos morada, nem família, nem nicho na sociedade e nenhuma função reconhecível. Nem tampouco damos a impressão de ser especialmente caridosos e não nos podemos orgulhar de nossa virtude. Chesed aparentemente roubou-nos tudo isso, pois aquele que vive apenas segundo a misericórdia de Deus, só por essa misericórdia pode viver e por nada mais. Plenitudo legis esta caritas. A caridade é a plenitude da lei.”
Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 180-181
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 184-185
Reflexão da semana de 31-03-2008
2 comentários:
Falou tudo!
Eita blog maravilhoso!!
Sobre as palavras acerca de "Chesed" (misericórdia como o desejo infinito de doar vindo de Deus) vi uma semelhança com um texto cabalístico judaico, O Convidado e o Anfitrião.
A diferença aos nossos olhos entre nós e o Criador chega a ser tal que simplesmente rejeitamos a misericórdia de Deus como se não a merecêssemos. Não a recebendo, não lhe agradamos, fazendo-nos seus imitadores e não doando tabém. Continuamos a receber só pra nós, tentando garantir as coisas pra nós mesmos, segurar areia por entre os dedos...
Dê uma olhada no texto que assinalei acima. Um abraço!
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