Há quem diga que poetas só devem ser traduzido: por poetas.
E a quem diga que a poesia é intraduzível. Efetivamente, há uma parte da poesia
que é, em geral, intraduzível: a sua música, a melodia que se desprende de suas
palavras, melodia que varia de língua para língua, quando a sonoridade de uma
palavra não encontra na língua para que é traduzida a mesma música. Mas a outra
parte, a que é alma é essência da poesia, o seu pensamento, a sua realidade interior,
essa pode ser transposta. E é aqui que vale a exigência de ser o tradutor de um
poeta igualmente poeta, contanto que o poeta tradutor se submeta a regra máxima
da tradução: o espirito de humildade, isto é, o respeito ao pensamento alheio,
a reprodução fiel e autêntica da mensagem que deve transmitir.
No caso desta tradução dos poemas de Thomas Merton, o
monge-poeta que a morte recentemente arrebatou, duma maneira inesperada e
trágica, temos um poeta, Carmen de Mello, traduzindo outro poeta. Para essa
tarefa, difícil, responsável, a escritora mineira não se afoitou, frivolamente.
Leu, atentamente a obra de Thomas Merton, quer em prosa, quer em poesia.
Saturou-se de sua mensagem, embebeu-se de seus eflúvios, adentrou-se pelas
intimidades de seu pensamento e de seu sentimento, pensou e tem as suas ideias
e as suas imagens, buscou desvendar os mistérios de seu subconsciente. E só
então, após tão longas vigílias, atreveu-se a transpor para a nossa língua a
poesia densa, profunda, toda pervadida de sobrenatural, do poeta trapista.
Tradutor de milhentas páginas de prosadores e de poetas, posso bem imaginar o
árduo labor de Carmen de Melo no afã de carrear para nossa língua, não a música,
mas a essência do pensamento e da emoção do poeta-monge. Parece-me que o
conseguiu, graças à humildade com que levou a cabo a sua tarefa. Fiel se
manteve a mensagem íntima do poeta, ao seu ritmo, às imagens e às suas
metáforas. Deu-lhe em nossa língua aquela autêntica similitude que não deixou
que o perfume poético se evaporasse, fazendo o leitor sentir o suave odor
sobrenatural que impregna a poesia do monge. A paga de seus trabalho teve-a ela
já, porém. Na carta que lhe escreveu, o próprio Thomas Merton deu-lhe o nihil
obstat, reconhecendo que Carmen de Mello não foi o tradittore da ironia
italiana, mas o mensageiro que transmitiu em fidelidade sua mensagem de beleza
e poesia.
(orelha do livro, Oscar Mendes)
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